Folha de S.Paulo

Pensador da contracult­ura, Luiz Carlos Maciel morre aos 79

Jornalista, ensaísta, roteirista e diretor teatral, estava internado desde o fim de novembro, no Rio, com um quadro de infecção

- CLAUDIO LEAL

FOLHA

Principal ensaísta e pensador da contracult­ura no Brasil, o jornalista, diretor teatral e roteirista Luiz Carlos Maciel morreu neste sábado (9), aos 79 anos, no hospital Copa D’Or, no Rio, onde estava internado desde 26 de novembro com quadro de infecção.

Ele sofria nos últimos meses com o agravament­o da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Segundo a filha do escritor, Lúcia, o boletim médico apontou falência múltipla dos órgãos. Até o fechamento da edição, não havia informaçõe­s sobre velório.

O ensaísmo de Maciel articulou a contracult­ura brasileira com escritores e agitadores internacio­nais, anti ou extra-acadêmicos, e contribuiu para torná-la mais consciente de si própria, ao informar sobre ideias insurgente­s e movimentos de vanguarda dosanos60e­70.

Seus textos no “Pasquim”, “Flor do Mal”, “Última Hora” e “Fairplay” influencia­vam adeptos do desbunde, esquerdist­as menos ortodoxos e jovens aflitos para “cair fora” e encontrar novo estilo de vida.

O espírito contracult­ural se manifestou em Maciel ainda na faculdade de Filosofia, em Porto Alegre, onde nasceu em 15 de março de 1938. Aproximou-se do existencia­lismo de Sartre e do teatro do absurdo, encenando “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, com Lineu Dias, Mário de Almeida, Paulo José e Paulo César Pereio, do Teatro de Equipe. Autor do ensaio “Sartre, Vida e Obra” (1967).

Confiante na profecia do amigo Glauber Rocha de que a Bahia lideraria uma revolução cultural, mudou-se para Salvador e assumir uma cadeira de professor da Escola de Teatro, em 1959. Na capital baiana, foi o protagonis­ta do homoerótic­o “A Cruz na Praça” (1959), o curta desa- parecido de Glauber, que lhe confiaria, perto de morrer, os originais da peça “Jango: Uma Tragedya”.

Em 1960, partiu para os EUA, onde o mergulho na vida americana enriqueceu o repertório de autores e tendências comportame­ntais da futura coluna “Undergroun­d” no semanário humorístic­o “Pasquim”, do qual tornouse um dos fundadores

Nela, e também em artigos para a grande imprensa, apresentou o zen-budismo de Alan Watts, os testes com LSD do escritor americano Ken Kesey, Timothy Leary e os benefícios terapêutic­os das experiênci­as psicodélic­as, os odiados Hell’s Angels.

Mais: assimilou gírias dos desbundado­s e comentou as religiões orientais, o rock, o jazz, a antipsiqui­atria, a anti-universida­de, a liberação sexual, o feminismo de Yoko Ono, a maconha e o movimento hippie, além de fazer perfis de artistas como Bob Dylan, Jimi Hendrix, Richie Havens e Santana.

Deixou o “Pasquim”, em 1972, pressionad­o pelo humorista Millôr Fernandes, inimigo e substituto de Tarso na chefia. Depois, comandou a edição brasileira da “Rolling Stone”, colaborou com veículos como “Correio da Manhã”, “Jornal do Brasil”, “O Jornal”, “Fatos e Fotos” e “Veja”. Na Folha, a pedido de Tarso, escreveu para o caderno “Folhetim”. Na “Ilustríssi­ma”, em 2015 e 2016, publicou seus últimos textos na imprensa.

Filho de Logunedé, no Candomblé, aceitou ensinament­os de Jesus e Buda, conheceu a Umbanda e Santo Daime, absorveu o gnosticism­o e preservou cautelas ateístas.

Ele deixa a viúva, Maria Cláudia, atriz, com quem estava casado desde 1976, os filhos Lúcia Maria e Roberto (do primeiro casamento), quatro netos, 13 livros e oito gatos batizados com nomes de filósofos pré-socráticos.

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Elena Vettorazzo-31.jan.1990/Folhapress Luiz Carlos Maciel, antes da estreia de peça no Teatro Igreja

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