Folha de S.Paulo

Da TV educativa dos EUA

- SALVADOR NOGUEIRA

FOLHA

É um livro publicado em 1980, mas sua mensagem não envelhece, e Carl Sagan continua soando tão eloquente quanto na lembrança que temos dele.

A republicaç­ão do clássico “Cosmos” é uma ótima oportunida­de para recuperarm­os a noção de que, na trajetória da humanidade, progresso social e técnico são, infelizmen­te, opcionais —precisamos, agora, como sempre, fazer as escolhas certas para que eles aconteçam.

Com seu estilo inconfundí­vel, o astrônomo americano usa a história da ciência e do pensamento como plataforma não só para mostrar o encantamen­to que humanos podem tercomades­cobertadoU­niverso em que vivem mas também para lembrar que, às vezes, esses mesmos humanos podem renunciar a isso e optar pelo obscuranti­smo.

No passado, isso resultou em dez séculos de severa estagnação. Ela começa, segundo Sagan, com a destruição da Biblioteca de Alexandria, no século 5, e termina com o Renascimen­to italiano e a recuperaçã­o dos valores da cultura jônia clássica, no século 15.

Ao contar a história de como a trajetória da conhecimen­to foi basicament­e interrompi­da por cerca de mil anos, Sagan, de forma (não muito) sutil, está fazendo um alerta. Não há progresso que não possa ser desfeito, e andar para trás é muito mais fácil que caminhar à frente. Cautela e bom julgamento são essenciais ao futuro da civilizaçã­o. TV E PAPEL O livro foi produzido simultanea­mente à série de TV de mesmo nome, que na época se tornou o programa de maior audiência da televisão educativa americana e impulsiono­u Sagan ao status de ícone da populariza­ção da ciência.

Contudo, reduzir “Cosmos” a um livro (ou série) de divulgação científica é minimizar sua importânci­a. A missão autoimpost­a de Sagan é fazer a ponte entre o cósmico e o indivíduos, entre a história e a sociedade, costurando tudo num amálgama que po- deria mais parecer uma maçaroca com um autor menos hábil. É, em resumo, uma grande celebração dos valores humanistas.

Isso acaba diminuindo o grau de “datação” do livro; embora muitas grandes descoberta­s sobre o Universo ainda estivessem por ser feitas em 1980 —a matéria escura então era só uma sugestão novíssima e radical, e a energia escura não existia sequer em sonho, para citar “só” 95% do que acreditamo­s hoje compor o cosmos—, apenas em poucos momentos o texto realmente se mostra desatualiz­ado.

Para esses momentos, uma revisão técnica feita para a nova edição, com notas de rodapé, resolve a questão.

Os capítulos seguem de perto a estrutura dos roteiros do programa e podem ser vistos como uma versão “estendida” dos episódios de TV.

Claro, alguns elementos que são adequados a uma das apresentaç­ões não servem a outra, como a “nave da imaginação” do seriado ou os fascinante­s detalhes que só um livro pode proporcion­ar, de modo que mesmo quem já viu o programa deveria ler o livro, e vice-versa. VIVÊNCIA NA CIÊNCIA Sagan sabe distinguir com muita clareza o que é especulaçã­o e o que é consenso científico em sua obra, uma qualidade que nem todos os cientistas manifestam em seus trabalhos de populariza­ção e que é absolutame­nte essencial se entre os temas discutidos estão questões delicadas como a origem do Universo ou a busca por inteligênc­ia extraterre­stre.

Ao mesmo tempo que travamos conhecimen­to com diversos grandes cientistas da história, da Antiguidad­e ao século20,pormeiodap­rosadeSaga­n, ele soa como mais um dos

 ?? Divulgação/Nasa ?? O astrônomo americano Carl Sagan ao lado de uma réplica da sonda Viking, a primeira a realizar um pouso bem-sucedido em Marte, no ano de 1976
Divulgação/Nasa O astrônomo americano Carl Sagan ao lado de uma réplica da sonda Viking, a primeira a realizar um pouso bem-sucedido em Marte, no ano de 1976

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