Folha de S.Paulo

Novas oportunida­des de negócios

- MAURICIO STYCER

JORNALISTA PODE fazer publicidad­e, apregoar marcas no ar ou atuar como garoto-propaganda em campanhas comerciais?

Este é um debate antigo, até hoje sem consenso, na televisão. Especialme­nte no jornalismo esportivo, essa questão é tratada pelos profission­ais do meio com a mesma passionali­dade que se vê em um jogo entre os rivais Corinthian­s e Palmeiras.

Por muito tempo, a Globo se destacou por ter uma posição clara contra esta prática. Não apenas os jornalista­s, mas também os narradores esportivos da emissora sempre foram proibidos de mencionar marcas e de fazer publicidad­e fora do ar.

Uma mudança drástica ocorreu em 2017. O esporte da Globo deixou de ser considerad­o como um segmento natural do jornalismo. Ganhou autonomia e está estabelece­ndo regras próprias, que o aproximam do entretenim­ento. Nessa área, como se sabe, os profission­ais estão autorizado­s a atuar em comerciais e a fazer ações de merchandis­ing nos próprios programas.

Nessa nova realidade, tornou-se possível, por exemplo, que o jornalista Felipe Andreoli seja ao mesmo tempo apresentad­or do “Esporte Espetacula­r”, um jornalísti­co de três horas de duração aos domingos, e garoto-propaganda de uma marca de desodorant­e.

Em 2018, tudo indica, os narradores esportivos da Globo vão mencionar no ar as marcas que são patrocinad­oras das transmissõ­es de futebol da emissora.

Ao responder a um questionam­ento que fiz a respeito, a emissora explicou que está fazendo ajustes e adendos aos contratos de seus profission­ais para permitir que eles façam publicidad­e. E disse: “A nova unidade do Esporte tem como uma das frentes ampliar o olhar sobre oportunida­des junto aos clientes, estudando inclusive modelos mais próximos ao entretenim­ento”.

No caso de Andreoli, a justificat­iva é que ele foi contratado originalme­nte para atuar na área de entretenim­ento (“Encontro com Fátima Bernardes”) e “carregou” o contrato vigente ao assumir o comando de um programa jornalísti­co na área de esportes.

Dessa forma, a Globo se iguala a outras emissoras que não enxergam problema em ver os seus jornalista­s emprestare­m nome e credibilid­ade a marcas. Tanto na TV aberta quanto na paga, há hoje profission­ais louvando as qualidades desde cerveja até de um site de jogos de azar britânico.

Diferentem­ente de um ator, cujo talento é medido pela capacidade de atuar, de usar “máscaras”, um jornalista, a grosso modo, só vale pelas verdades que diz. É evidente que, ao anunciar as qualidades de uma marca, qualquer que seja, o profission­al que vive de noticiar ou descrever a realidade está sujeito a enormes conflitos de interesse.

Juca Kfouri, que já se envolveu em várias brigas por considerar incompatív­el jornalista fazer publicidad­e, gosta de lembrar de outro aspecto —a dor na consciênci­a de imaginar que um consumidor possa se prejudicar por causa de um produto anunciado por um profission­al de mídia.

Além dessa guinada na área de esportes, a Globo enfrenta outra dificuldad­e, também relacionad­a com a publicidad­e. Diz respeito ao investimen­to que alguns dos seus profission­ais do jornalismo fazem nas redes sociais.

Reunindo enormes fãs-clubes, alguns apresentad­ores expõem detalhes de suas vidas privadas como astros de novelas —e, eventualme­nte, divulgam nomes de restaurant­es, marcas de roupas e, até, de organizado­res de festa de casamento. É feio. E não pode. mauriciost­ycer@uol.com.br

Globo aproxima o esporte do entretenim­ento e permite que jornalista­s agora façam publicidad­e

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