Pioneira do stand-up feminino revê estilo
Sarah Silverman conjuga mais engajamento e menos confronto em novo programa disponível no streaming Hulu
Aos 46, comediante passou tempo com eleitores de Trump para sua atração política ‘I Love You, America’
No primeiro teste de “I Love You, America”, seu novo programa político e de variedades, Sarah Silverman apresentou um casal que estava nu na primeira fila da plateia.
Mas a presença mais exótica talvez tenha sido a de um eleitor de Trump, parte de um grupo de pessoas comuns entrevistadas por Silverman, comediante progressista que discursou na convenção do Partido Democrata em 2016.
Questionado sobre seu apoio ao presidente, ele explicou que Trump estava envolvido em menos escândalos que Hillary. Silverman fez uma careta, e a plateia se preparou para uma resposta aguçada. Mas ela só sorriu educadamente e seguiu em frente.
Será que aquela era mesmo Sarah Silverman?
“Não se pode fazer uma pessoa mudar de ideia discutindo”, disse no dia seguinte, enquanto via cenas do programa, que estreou nos EUA na plataforma Hulu em outubro. “Fatos não levam as pessoas a mudar de ideia.”
Gesticulando diante de um mapa dos Estados Unidos que decora a parede de seu escritório, ela completa: já há suficientes comediantes dispostos a explicar por que seus oponentes estão errados.
Silverman, 46, uma das maiores comediantes de stand-up de sua geração, foi a pioneira de uma vertente de humor feminino que abriu caminho a novas estrelas, como Amy Schumer e Ali Wong.
Nos últimos anos, adotou uma voz mais engajada e sincera. Corre o risco de alienar ainda mais seus fãs e de esbarrar nos limites do humor político na era Trump.
Desde que Silverman se tornou estrela, na virada do século, a estatura dos comediantes mudou. Eles deixaram a posição de observadores sarcásticos, mas marginalizados, e hoje muitos são tratados como oráculos.
No dia em que entrevistei Silverman, Jimmy Kimmel disparou salva feroz de críticas ao projeto de reforma da saúde. Embora Silverman evite esse tipo de confronto, ela considera que o sucesso do monólogo dele sustenta suas ideias sobre mudança.
“Ele não era politizado até que a política o afetou”, disse, referindo-se ao filho do apresentador, que nasceu em abril com uma doença cardíaca. (Kimmel e Silverman foram namorados.) “Às vezes, você precisa de uma experiência pessoal para despertar.” FALSA INGÊNUA Silverman ouve perguntas com a mesma atenção que as responde. Às vezes adota o tom que usava em monólogos de humor, alternando astúcia e falsa ingenuidade, e trocando o olhar sardônico por olhos arregalados de falso espanto.
Ela cresceu em uma das poucas famílias judias de Bedford, New Hampshire. A mãe dirigia um teatro comunitário e o pai, que herdou a fábrica de roupas da família, a ensinou a falar palavrões.
Silverman, que escreveu “Eu amo Steve Martin” no teto de seu quarto quando era criança, começou cedo na comédia; seu primeiro show de humor foi aos 15 anos.
Ela abandonou a Universidade de Nova York para trabalhar nas casas noturnas de comédia e, aos 22 anos, foi contratada para o programa “Saturday Night Live”, no qual durou só um ano. Mas seu objetivo nunca foi o humor televisivo convencional.
“Ela era um dos raros comediantes de stand-up que não viam o formato como um meio”, disse Sam Seder, que dirigiu Silverman em seu primeiro filme, “Who’s the Caboose?”. “Para ela, o humor stand-up era o objetivo.”
Desde então, ela ganhou reputação pela agudeza de texto e da performance, mas só conquistou atenção nacional em 2001, quando fez um insulto racial aos chineses no talk show de Conan O’Brien.
O programa se desculpou, e ela foi convidada a um debate com Guy Aoki, que representava uma organização de combate à discriminação dos asiáticos na mídia.
Em 2005, produziu um espetáculo de grande sucesso, “Jesus Is Magic”, no qual interpretava piadas na voz de uma judia propensa a insultos acidentais. Recebeu elogios, mas uma resenha a fez reconsiderar seu estilo. O texto dizia que seu humor irônico e transgressivo era autocomplacente e nada ousado.
“Vejo que estava interpretando uma personagem ignorante, mas também era uma pessoa ignorante”, ela disse.
“I Love You, America” soma voz mais conscientizada aos interesses por humor escatológico e derrubar tabus.
Ao contrário de comediantes veteranos, Silverman não lamenta que a correção política arruíne o humor. “Se você tem medo de mudar, isso quer dizer que está velho.” A eleição presidencial, diz, foi um ponto de inflexão.
A atitude quanto à ambição também mudou. Ela diz que agora põe a carreira em primeiro, acrescentando que embora ame o namorado, o ator britânico Michael Sheen, o relacionamento funciona porque ele vive a um oceano de distância. “Quero fazer coisas que importam e me dedicar totalmente a elas.”
Silverman vem aceitando papéis dramáticos, como no filme “Batalha dos Sexos”. Após alguns pilotos para TV falharem, decidiu procurar um formato próximo do stand-up, no qual interpretasse a si mesma e conversasse com gente com quem não necessariamente concorda.
Ela convidou o comediante conservador Dennis Miller para o programa, mas ele recusou. Quando percebeu que Ivanka Trump era sua seguidora no Twitter, enviou uma mensagem à filha do presidente. Não houve resposta.
Suas incursões às regiões conservadoras dos EUA para o programa também geraram choques. Na Louisiana, uma eleitora de Trump se queixou de que o presidente Barack Obama “sustentava vagabundos”, enquanto sua família falava em fazer parte do programa federal de saúde.
Silverman disse que se divertiu. Questionada sobre se a visita havia aumentado sua esperança de que as coisas mudem, parou para pensar. “Ainda é possível respeitarmos uns aos outros”, disse. “Mas convencemos alguém a mudar de ideia? Não.”