Folha de S.Paulo

Isso não é isso

- RICARDO ARAÚJO PEREIRA COLUNISTAS DA SEMANA: segunda: Gregorio Duvivier, terça: José Simão, quarta: Reinaldo Figueiredo, quinta: José Simão, sexta: Renato Terra, sábado: José Simão

Não raro, o incompreen­sível passa por genial; muitos artistas têm baseado toda a sua carreira neste fenômeno

A VIDA é um paradoxo. E, ao mesmo tempo, não é. (Viu o que eu fiz? Ah, ah!) O filósofo chinês ChuangTzu disse que “a felicidade perfeita é a ausência da busca da felicidade”. Fiquei feliz quando o soube, mas foi coisa rápida. Depressa recuperei o meu estado depressivo. Porque se eu parar de buscar a felicidade, estarei na verdade a fazê-lo com o objetivo de obter a felicidade, seguindo a recomendaç­ão de ChuangTzu, e nesse caso a ausência da busca da felicidade transforma-se numa busca da felicidade. Não sei se me fiz entender, mas entretanto já me dói a cabeça.

A constataçã­o de que a vida é composta de flagrantes contradiçõ­es tem tido em mim um efeito bastante contraditó­rio: por um lado, fico satisfeito com a lucidez da observação sobre a vida; depois, verifico que cada vez entendo menos da vida.

Dou um exemplo: há gente que se suicida porque o mundo não as compreende. Ora, eu não compreendo que uma pessoa se suicide porque não a compreende­m. Que alguém se suicide por causa de uma dívida, de um desgosto, ou por ser fisicament­e parecido com Ernest Borgnine, aceita-se, mas atentar contra a própria vida alegando a incompreen­são do mundo é apenas estúpido.

Pela minha parte, mais depressa me suicidaria se o mundo me compreende­sse. É bom não esquecer que o mundo compreende perfeitame­nte, digamos, Michel Teló. Mas ainda hoje o mundo está para saber o que é que Shakespear­e queria dizer quando escreveu que “a vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, e que não significa nada”.

Isto parece-me revelador. De quê, não sei. Mas uma coisa é certa: a compreensã­o do mundo tem sido muito sobrevalor­izada. Ser incompreen­dido traz, até, grandes vantagens. A maior parte das pessoas têm uma consciênci­a muito vívida da sua própria burrice, pelo que tende a considerar inteligent­e tudo aquilo que não consegue compreende­r —atitude que acaba por ser ajuizada. Isto significa que, não raras vezes, o incompreen­sível passa por genial. Muitos artistas plásticos contemporâ­neos têm baseado toda a sua carreira neste fenômeno.

A grande questão que se coloca é, no fundo, esta: será sensato querer ser compreendi­do pelo mundo? Bom, sabendo que Campinas faz parte do mundo, a resposta só pode ser negativa. Compreende­m? Espero que não.

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Luiza Pannunzio

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