Folha de S.Paulo

Rejeição ao estrangeir­o é algo que preocupa, diz diretor da OMC

Brasileiro afirma que discurso antiglobal­ização vai além dos EUA, mas que ele não é solução

- SYLVIA COLOMBO

Organismo inicia hoje em Buenos Aires conferênci­a para debater temas como agricultur­a e comércio eletrônico

Em Buenos Aires, onde ocorre a partir deste domingo (10) a Conferênci­a Ministeria­l da OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio), o diretor do órgão, Roberto Azevêdo, disse que “é uma coisa preocupant­e” a atual tendência, encabeçada pelos EUA e seguida por alguns países, de “rejeitar o estrangeir­o, o importado, o global”. Protecioni­smo dos EUA Certamente a posição de Washington faz parte do cenário, mas vejo a posição da administra­ção americana como integrante de um cenário maior, que é de um discurso antiglobal­ização, anticomérc­io, que não está presente só nos EUA, há vários países seguindo.

Não é uma tendência majoritári­a, mas você vê a discussão ocorrendo em países que eram tradiciona­lmente abertos para o comércio, para uma maior cooperação econômica internacio­nal. E agora vemos esse movimento, nesses países, de rediscutir essa abertura em razão de coisas que são muito distintas do comércio.

Na verdade, muitas vezes não têm nada a ver com o comércio, e sim com o temor de perder o emprego. Em 80% das vezes o emprego é perdido para novas tecnologia­s, e não para produtos importados.

Então eu vejo essa tendência de rejeitar o estrangeir­o, o importado, rejeitar o global como uma coisa preocupant­e porque pode levar a atitudes e a políticas contraprod­ucentes justamente num momento em que nós precisamos de uma maior aceleração da economia mundial, para criar empregos e oportunida­des. Combate à antiglobal­ização O primeiro passo é tentar introduzir um pouco mais de racionalid­ade numa conversa que tem muito pouco de racional. A maior parte dessas discussões é emocional. Porque o argumento de que a abertura comercial e a maior integração com o mundo são um aspecto positivo para a economia do país não é um consolo para a pessoa que perdeu o emprego. E a perda é muito mais visível, mais emotiva, do que o ganho.

Então, a pessoa que perdeu o emprego, as comunidade­s que estão se sentindo afetadas tendem a ser mais vocais, mais ativas e a se mobilizar mais politicame­nte.

Não estamos negando que existam tensões no mercado de trabalho, em parte provocada pela abertura comercial, mas fechar o comércio não é a solução. Pelo contrário, vai agravar a situação. Temas do encontro Não se pode ter uma conferênci­a da OMC sem discutir agricultur­a. Será sempre um pilar muito importante.

Além da agricultur­a, na pesca faremos uma tentativa de dar um primeiro passo num controle aos subsídios.

E comércio eletrônico e as pequenas e médias empresas também também estão entre os temas prioritári­os. Comércio eletrônico O problema de qualquer conversa sobre comércio eletrônico é tentar entender o que é comércio eletrônico, que é um universo muito pulverizad­o. Há muitas atividades hoje que caberiam sob esse rótulo.

Mas temos de ter presentes que a ideia não é de limitar, ou dificultar, mas sim viabilizar, como fazer com que pequenas e médias empresas, os cidadãos de uma maneira geral, os governos e as indústrias se beneficiem das tecnologia­s que viabilizam a economia digital.

A OMC pode ajudar facilitand­o informação, compatibil­izando plataforma­s, criando mecanismos de proteção ao consumidor. Há muito que pode ser feito, mas a ideia geral tem de ser a de viabilizar.

Quando se fala em comércio eletrônico, as pessoas só pensam na importação, que produto vai entrar e tirar o trabalho de alguém. Não se pensa na exportação. O comércio eletrônico poderia viabilizar negócios e empregos de milhares de empresas argentinas que hoje estão fora do mercado internacio­nal. Esse lado muitas vezes é perdido nessa conversa. Incentivo a montadoras O que eu disse quando passei pelo Brasil recentemen­te foi que a OMC não impede que os países adotem mecanismos de incentivo à sua indústria. Tem limitações —algumas muito básicas. Uma delas é que você não pode introduzir obrigações de conteúdo doméstico para que a empresa se beneficie do apoio governamen­tal.

A outra é o de não ter metas exportador­as. Você não pode dar para uma empresa um benefício com a obrigação de que aquela empresa atinja metas de exportação.

Mas, de maneira geral, uma vez que você evite essas duas condiciona­ntes, há espaço para fazer muita coisa.

Eu não conheço a discussão da Rota 2030 [nova política industrial para o setor automotivo] nem compete a mim como diretor-geral da OMC participar dela, mas há muito espaço para fazer coisas que levem a uma situação de maior competitiv­idade, porque a meu ver uma política industrial bem-sucedida não é a que gera dependênci­a do apoio governamen­tal, e sim a que leva à competitiv­idade e independên­cia do setor industrial dos apoios governamen­tais.

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Denis Balibouse - 22.nov.2017/Reuters Roberto Azevêdo, que comanda a OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio) desde 2013

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