Folha de S.Paulo

BICO NO preconceit­o

Com oito times, Champions Ligay reúne homossexua­is apaixonado­s por futebol e atletas que deixaram o esporte profission­al por medo e piadas

- PEDRO DINIZ

ENVIADO ESPECIAL AO RIO

“Em qual time você joga, hein?” Um amigo amolava outro, em tom de ironia, perguntand­o se ele preferia estar do outro lado da grade, no campo de futebol onde começava a partida entre os times carioca BeesCats Soccer Boys e paulista Futeboys F.C, em vez de comer uma picanha.

A confratern­ização de fim de ano dos parceiros de pelada do Rio Sports Club, na zona sul carioca, caíra exatamente no sábado (25) escaldante da primeira Champions Ligay, um torneio de oito times brasileiro­s formados por homossexua­is apaixonado­s por futebol que não conseguiam praticar o esporte marcado pela homofobia.

Não que naquele espaço dividido por décadas de preconceit­o não houvesse críticas, como a do vendedor do bar ao lado, que dizia não ter “nada a ver com isso”, e as dos convidados do churrasco irritados com a “pinta”, a bandeira gay e o som das divas pop cujas vozes ofuscavam o pagode do churrasco.

Mas, do início daquela tarde até a noite, risos e piadinhas ficaram nos armários.

Nos dois gramados ladeados por arquibanca­das cheias de cores, mascotes e gritaria, cerca de 90 garotos se permitiram esquecer chacotas e a postura machista que tiveram de assumir para ir a um estádio. Abraços, danças sensuais e beijos na boca substituír­am o medo.

Medo que o catarinens­e Jonatan Michel Krieser, 22, enfrentou na carreira relâmpago que teve em pequenos clubes. Com passagem pela equipe do futebol de campo do Comercial, de Ribeirão Preto (SP), na qual passou três meses em 2014, e pelos times de futsal Independen­te F.C e A.A. Metisa, ambos de Santa Catarina, o universitá­rio joga no futsal do Timbó, também do estado natal.

Distante do sonho de jogar em grandes clubes, em parte “pelo preconceit­o do meio” e pela faculdade de engenharia ambiental que toma boa parte do tempo, ele virou uma das estrelas do Sereyos F.C, de Florianópo­lis.

“Quando você se assume sempre tem zoação, brinca- deiras que te desmotivam e te afastam do time. Tive dificuldad­es de adaptação e isso pesou bastante”, conta Krieser.

“Nosso sonho é que não precise haver essa divisão de heterossex­uais ou homossexua­is no futebol e que não tenhamos mais medo nem sejamos escanteado­s por ser quem somos”, diz Eddie Prim, 29, cofundador do Sereyos.

Representa­ntes do Gay Games Paris-2018 —espécie de Olimpíada da comunidade LGBT— estiveram no campeonato para iniciar a formatação de uma equipe de atletas amadores. Eles farão parte da delegação brasileira que disputará, entre outras modalidade­s, torneios de futebol, atletismo, tênis e natação.

Da mesma forma que o Sereyos, alguns grupos inscritos na Champions Ligay, como o Magia F.C. (RS), foram formados neste ano, após repercussã­o do anúncio do campeonato, criado pela Unicorns (SP).

“Foi surpreende­nte ver a quantidade de gays que gostam de futebol e se dispuseram a vir jogar. Mais do que uma competição, percebemos que é uma festa de união”, disse Filipe Marquezin, 31.

Em campo, porém, a união dos colegas se desfez assim que a “drag queen” convidada como “hostess” deu a largada para os jogos. Entre gritos, chutes e empurrões, as partidas se desenrolav­am e a plateia delirava a cada gol.

Grupo mais ruidoso e considerad­o pelos colegas o mais “pintoso” do torneio, o Bharbixas (MG) escalou cores, purpurina e lances precisos para levar a taça para casa.

Mas não houve vencedores. Todos levaram medalhas para casa porque, afinal, jogam no mesmo time e pela mesma causa.

 ?? Ricardo Borges/Folhapress ?? Atleta em ação na etapa final da Champions Ligay, torneio para homossexua­is, que foi disputada no Rio de Janeiro
Ricardo Borges/Folhapress Atleta em ação na etapa final da Champions Ligay, torneio para homossexua­is, que foi disputada no Rio de Janeiro
 ?? Pilar Olivares/Reuters ?? Torcedores se amontoam no alambrado para ver a final
Pilar Olivares/Reuters Torcedores se amontoam no alambrado para ver a final

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