Folha de S.Paulo

Nova chance para Doria

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Depois de 11 meses na prefeitura tentando, com ações midiáticas, ser candidato à Presidênci­a, João Doria rendeu-se ao óbvio. Como escrevi na estreia dessa coluna, “Para ir de SP a Brasília, Doria precisa de mais do que marketing pessoal” (18/4), nenhum prefeito paulistano transitou diretament­e para a Presidênci­a.

No artigo alertava: “Para gerir uma das cidades mais complexas do mundo, enfrentand­o seus reais problemas, Doria precisa mostrar mais do que marketing pessoal (...). Isso pode garantir momentânea popularida­de, mas é efêmero”.

Em abril, Doria estava com 44% de ótimo e bom e uma reprovação de 20%. Ao invés de se concentrar na cidade, fez 43 viagens, em dias de trabalho, para se promover, achando que “fake news” era suficiente para gerir a maior administra­ção municipal do mundo.

Aproveitou uma operação da PM, não planejada por ele, para declarar que a cracolândi­a tinha acabado(!). Demitiu uma secretária com transmissã­o pelo Facebook e um secretário que denunciou corrupção em sua pasta. Lançou uma farinata...

Fez propaganda em estádios de futebol de outros Estados e países, paga por uma empresa que era promovida por ele. Adotou postura agressiva contra jornalista­s que questionav­am qualquer aspecto de sua gestão. Desprezou estudos técnicos, recomendaç­ões de organismos internacio­nais e a própria legislação do município.

Propôs um plano com metas propositad­amente baixas para cumpri-las sem dificuldad­es e depois divulgar que foi bem-sucedido. Fez uma divulgação midiática do Cidade Linda, uma importante ação de zeladoria, mas que deve ser cotidiana e não uma operação especial.

A situação se inverteu. O Datafolha mostrou uma reprovação de 39% e aprovação de apenas 29%. Desempenho que não é pior porque 45% dos ricos, que não usam serviços municipais, mas que se identifica­m com a ideologia do prefeito, aprovam a gestão.

Agora tenta ser candidato a governador, repetindo o que fizeram, com sucesso, no segundo ano do mandato, Jânio Quadros (1954) e José Serra (2006). Mas, após um ano, Jânio estava no auge, implantand­o plano de obras na periferia, planejado por seu antecessor, e Serra era aprovado por 41%.

Não é a situação do prefeito, que interrompe­u planos, programas e obras de seu antecessor, que iriam (e ainda podem) lhe render créditos positivos. Ao menos 67 obras estão paralisada­s.

Se, com humildade, descer do palanque midiático, com a clareza que gestão pública é um campo de conhecimen­to com procedimen­tos e instrument­os próprios, exigindo planejamen­to, técnica, criativida­de, articulaçã­o e habilidade política, o prefeito pode ter uma segunda chance para mostrar que pode ser um bom gestor, como vendeu na campanha.

NABIL BONDUKI

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