Entidade paga aborto de brasileira na Colômbia após negativa do STF
Estudante conseguiu procedimento sob o argumento de que saúde psicológica estava em risco
Ação foi elaborada pelo PSOL e Instituto Anis; ONG pagou passagem e hospedagem, clínica bancou valor do aborto
Com nove semanas de gestação e nenhuma previsão de resposta definitiva do Judiciário brasileiro sobre o pedido para realizar um aborto, Rebeca Mendes Silva tomou uma decisão –fez o procedimento de interrupção da gravidez legalmente na Colômbia.
Ela se diz segura sobre a escolha. “Me sinto muito aliviada de ter seguido por esse rumo. Por estar onde estou agora. Não sinto tristeza, não me sinto angustiada. Me sinto aliviada por estar onde estou.”
Estudante de Direito e mãe de dois meninos, um de nove anos e o outro de seis, Rebeca descobriu a gravidez no dia 14 de novembro e pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma liminar (decisão provisória) para abortar.
A ação foi elaborada pelo PSOL e o Instituto Anis –Instituto de Bioética, que argumenta que a criminalização do aborto fere princípios e direitos fundamentais garantidos na Constituição, como dignidade, liberdade e saúde.
A relatora, ministra Rosa Weber, não chegou a analisar os argumentos do pedido. Segundo ela, a ação utilizada – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)– não serve para situações individuais concretas, mas para questões abstratas.
Rebeca, então, entrou com um habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que ainda não decidiu. Ela passou então a buscar soluções em outros países.
A possibilidade de abortar na Colômbia surgiu quando foi convidada para participar de um seminário em Bogotá organizado pelo Consórcio Latinoamericano contra o Aborto Inseguro, ONG de pesquisa dos direitos reprodutivos.
Passagem e hospedagem foram pagos por essa organização. “Eu aproveitei que aqui é legalizado e realizei o procedimento, com medo de uma demora ou negativa do Judiciário brasileiro”, afirma.
Desde 2006, a interrupção da gravidez até o terceiro mês é permitida na Colômbia para garantir a vida da mãe, salvaguardar a saúde física e mental dela, e em casos de estupro, incesto e deformidade severa do feto.
No Brasil, a lei só permite aborto em caso de estupro e
REBECA MENDES SILVA
estudante de direito risco de vida da mãe. Uma decisão do STF também assegurou a possibilidade de interrupção de gravidez quando o feto apresenta anencefalia.
A pena para uma mulher que intencionalmente interrompa a gravidez é de um a três anos de detenção.
Rebeca não pode ser punida no Brasil, diz o advogado criminalista Pierpaolo Bottini.“Nosso Código Penal diz que você só responde por crimes cometidos em território nacional. Você pode responder, excepcionalmente, por crimes praticados fora desde que seja um crime também no país onde foi cometido.”
“No caso do aborto, como ele não é crime na Colômbia, ela não poderá ser punida quando voltar ao Brasil.” SAÚDE MENTAL Rebeca conseguiu realizar o procedimento na Colômbia sob o argumento de que seria importante para resguardar sua saúde psíquica. Chegou a Bogotá na terça-feira (5), com um laudo médico atestando que se encontrava num quadro de ansiedade e estresse, que poderia evoluir para “depressão moderada ou grave”.
Nele, a psiquiatra Wilza Vieira Villela diz: “Somos favoráveis que se faculte à Sra. Rebeca Mendes Silva Leite o direito de interromper a gestação, protegendo assim a sua saúde mental, a dos filhos, e ainda evitando que nasça uma criança marcada pela rejeição materna e paterna e pelos graves prejuízos emocionais que tal situação acarreta.”
Rebeca se internou em uma das 30 clínicas do Profamilia, uma empresa privada que se dedica a pesquisas sobre saúde sexual e atendimento a mulheres que querem interromper a gravidez.
“O Profamilia assumiu os custos. Ela veio financiada por uma ONG e realizamos a interrupção da gestação por ela ser uma mulher pobre, de 30 anos, com dois filhos. E pelo fato de a gravidez estar gerando estresse psicológico, podendo ser enquadrada nos casos em que prestamos assistência gratuita”, diz Luz Janeth Forero, gerente de projetos do Profamilia.
Rebeca deixou a clínica com um anticoncepcional subcutâneo –implante que libera hormônios e previne a gravidez por até cinco anos.
“Eu estava muito bem orientada. Eu fiz o procedimento e saí com o método contraceptivo que escolhi. Diferente do Brasil, onde colocaram diversos empecilhos e eu acabei onde estava, com uma gravidez indesejada”, afirma.
Ela diz que engravidou
JANETH FORERO
gerente de de projetos do Profamilia, empresa colombiana dedicada a pesquisas sobre saúde sexual e atendimento a mulheres que querem abortar num período de troca de método contraceptivo. Em setembro, fez uma consulta pelo SUS e pediu para usar DIU (dispositivo intra-uterino), mas o exame de ultrassonografia exigido pelo médico só foi agendado para dezembro.
“
Fiz o procedimento e saí com o método contraceptivo que escolhi. Diferente do Brasil, onde colocaram diversos empecilhos e acabei onde estava, com uma gravidez indesejada
PLANOS DE FUTURO Rebeca está no quinto semestre de Direito, pago com bolsa integral do Prouni. Atualmente, recebe um salário de R$ 1.200 em um emprego temporário no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que vai até fevereiro, e paga um aluguel de R$ 600.
Separada do pai dos dois filhos –que também era o pai do bebê que ela esperava– recebe uma pensão que varia de R$ 700 a R$ 1.000 por mês.
“Quando meus filhos eram pequenos eu que olhava, eu que sou a mãe. Eu tive que esperar os dois crescerem um pouco mais para poder ir para a faculdade. Ninguém passou a mão na minha cabeça. Ou eu tive que me virar sozinha ou tive que pagar pessoas para olharem”, diz.
Desde que entrou com a ação no STF, Rebeca passou a ser alvo de apoio e de críticas. “Eu acho que quem criticou vai continuar. E quem apoiou vai continuar apoiando. Isso não muda muito com o procedimento. A minha expectativa é a melhor possível”, diz.
“Vi que existe um país muito próximo ao Brasil, um país que, mesmo sendo muito religioso, tal qual o Brasil, eles estão à nossa frente no que diz respeito à dignidade e respeito ao corpo e à decisão das mulheres”, complementa.
“assumiu os custos. Ela veio financiada por uma ONG e realizamos a interrupção da gestação por ser uma mulher pobre, de 30 anos, com dois filhos