Folha de S.Paulo

É A CIÊNCIA QUE EXPLICA COMO FUNCIONA A MEDITAÇÃO

Em livro psicólogos afirmam que atividade pode realmente ajudar no controle emocional; com a prática constante surgem alterações no cérebro e até mesmo de personalid­ade

- REINALDO JOSÉ LOPES

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Daniel Goleman e Richard Davidson, psicólogos e autores do livro “A Ciência da Meditação”, estavam entre os muitos jovens americanos de classe média que, ao longo dos anos 1960 e 1970, deixaram os confortos do Ocidente e se enfurnaram no Himalaia, em busca de um guru que os conduzisse à iluminação.

Ao menos no caso deles, anos de estudo das tradições contemplat­ivas do Oriente conseguem conviver bastante bem com doses salutares de ceticismo.

É o que se depreende da leitura da obra, um guia informativ­o e moderado dos estudos feitos nas últimas décadas sobre a neurociênc­ia da meditação. Embora Goleman e Davidson tenham contato regular com o Dalai Lama e outros mestres budistas e hinduístas, suas conclusões são cautelosas: sim, meditar parece fazer bem, de modo geral, mas está longe de ser um negócio mágico.

Aliás, como os dois fazem questão de frisar, “meditação” é um termo amplo demais. As disciplina­s mentais/ espirituai­s oriundas da Ásia que acabaram ficando debaixo desse guarda-chuva conceitual quando foram transplant­adas para o Ocidente são quase tão diversific­adas quanto as tradições religiosas onde nasceram.

Por isso mesmo, argumentam os autores (ambos com experiênci­a em pesquisa empírica sobre o tema e praticante­s da meditação), cada modalidade de meditação provavelme­nte A prática intensiva de modalidade­s de meditação como a chamada bondade amorosa está associada à desativaçã­o de genes ligados a processos inflamatór­ios e à alta atividade de uma enzima que impede erros durante a cópia do DNA trará benefícios diferentes, em níveis diferentes, de acordo com a intensidad­e e a qualidade da prática.

Para demonstrar isso, Goleman e Davidson apresentam o que equivale a um pequeno tratado de metodologi­a em pesquisa biomédica.

Não basta, por exemplo, colocar meia dúzia de sujeitos numa turma de “mindfulnes­s” (hoje a modalidade Técnicas de ‘mindfulnes­s’ praticadas durante duas semanas num total de dez horas melhoraram a memória de trabalho (como a que permite recordar um número de telefone, por exemplo) e a capacidade de não se dispersar diante de tarefas múltiplas mais popular de meditação, cujo objetivo, grosso modo, é focar a atenção no momento presente) e, depois de um mês de treino, entrevistá-los para ver se agora eles se consideram mais focados e calmos.

A análise cuidadosa dos resultados desse tipo de estudo pouco controlado, bem como sua comparação com pesquisas metodologi­camente mais exigentes, revela que a mera presença de um grupo de colegas simpáticos e de um instrutor empolgado é capaz de produzir um aumento no bem-estar dos participan­tes que seria equivalent­e, no fundo, ao efeito placebo de um medicament­o (quando uma substância inócua, oferecida a um paciente que confia em seu médico, parece produzir uma melhora). ACADEMIA ESPIRITUAL Outra abordagem metodológi­ca valiosa envolve a comparação do efeito das práticas de meditação com outro tipo de atividade —relaxament­o, fisioterap­ia etc. Em ambos os casos, o resumo da ópera é que a prática casual de qualquer modalidade de meditação, por períodos curtos, dificilmen­te terá algum efeito positivo duradouro. Há efeitos positivos consideráv­eis - um pouco inferiores aos do uso de medicament­os, mas sem efeitos colaterais - da bondade amorosa e outras modalidade­s de meditação sobre doenças mentais como a depressão e o transtorno do estresse pós-traumático

Como ocorre quando os músculos são exercitado­s, a intensa “ginástica” cerebral da meditação também só produz uma mente verdadeira­mente possante com o tempo e a prática constante.

Embora os primeiros benefícios de abordagens como a “mindfulnes­s” —melhora na memória de curto prazo, menor ativação em áreas cerebrais ligadas ao estresse e à raiva— apareçam após algumas dezenas de horas de prática, a questão é saber até que ponto é possível produzir “traços alterados”, como dizem os autores do livro— ou seja, verdadeira­s transforma­ções da personalid­ade dos meditadore­s.

A resposta que eles podem oferecer por enquanto? Sim, os meditadore­s de “nível olímpico” —grandes mestres e iogues, gente capaz de passar meses ou anos em retiros espirituai­s— de fato parecem ter certos superpoder­es, por falta de um termo melhor.

Análises de ressonânci­a magnética funcional, por exemplo, indicam que esse tipo de indivíduo é capaz de lidar com a dor intensa de maneira muito diferente do comum dos mortais.

Embora eles sintam a intensidad­e do estímulo doloroso de modo muito semelhante ao de outras pessoas no instante em que ele acontece, é possível testemunha­r uma diminuição muito rápida do impacto dessa dor em seus cérebros —como se, de fato, eles conseguiss­em observar os efeitos da dor de forma distanciad­a, e não como algo que toma conta da identidade deles.

Da mesma forma, análises preliminar­es desses grandes iogues sugerem uma capacidade de retardar os efeitos do envelhecim­ento sobre a anatomia cerebral, às vezes produzindo uma “idade cerebral” algumas décadas mais jovens que a “idade cronológic­a” do sujeito.

Se não dá para passar onze anos numa caverna do Nepal, o que fazer para tentar conseguir alguns dos tais “traços alterados”? Não tem milagre, dizem os pesquisado­res: perseveran­ça, um mestre confiável e trabalho duro são a chave —uma receita de iluminação que não difere muito da que caracteriz­a a ciência. AUTORES Daniel Goleman e Richard J. Davidson EDITORA Objetiva QUANTO R$ 44,90 (296 págs.)

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