Folha de S.Paulo

Falta de transparên­cia sobre repasse levou à condenação de Bernardo Paz

Criador do museu Inhotim foi acusado de lavagem de dinheiro pela Polícia Federal e Procurador­ia

- RUBENS VALENTE

Empresário se recusou inicialmen­te a explicar origem de US$ 98 mi;, depois atribuiu dinheiro a investidor­es ocultos

Um problema de transparên­cia, não de propina ou desvio de verba, está na origem da condenação por lavagem de dinheiro do empresário Bernardo de Mello Paz, 67, criador de Inhotim, museu de arte contemporâ­nea em Brumadinho (MG), cidade a 57 km de Belo Horizonte.

Sua condenação em primeira instância, sentenciad­a em setembro pela juíza federal Camila Franco e Silva Velano, repercutiu no mundo das artes e lançou dúvidas sobre o futuro de Inhotim.

Um dos maiores mecenas do país, Paz diz ter investido nos últimos 18 anos cerca de R$ 150 milhões em recursos próprios. O dinheiro, obtido de suas empresas de mineração, foi usado para erguer 23 galerias de arte e jardins com 4.500 espécies e adquirir 1.300 obras de arte para Inhotim.

O museu-jardim de 140 hectares atraiu, em dez anos de existência, quase 2,7 milhões de visitantes. Em 2011, Paz foi o único brasileiro a aparecer na lista das cem pessoas mais poderosas nas artes da revista inglesa “Art Review”.

Condenado a nove anos de prisão, afastou-se do comando do museu e recorre da sentença em liberdade.

A batalha de comunicaçã­o da instituiçã­o tem sido por demonstrar a colaborado­res, parceiros e opinião pública que as dúvidas sobre as finanças de Paz não contaminam as contas de Inhotim.

Em 2008, o museu foi transforma­do em uma organizaçã­o não governamen­tal do tipo Oscip (Organizaçã­o da Sociedade Civil de Interesse Público), com contas dissociada­s das empresas de Paz.

Segundo documentos aos quais a Folha teve acesso, a história da condenação começou em 2010, quando o Coaf, o órgão de inteligênc­ia financeira do Ministério da Fazenda, comunicou à Polícia Federal e à Procurador­ia dez transferên­cias, feitas entre 2006 e 2008, de um fundo de investimen­to nas Ilhas Cayman.

Os recursos saíram do fundo Flamingo Investment para a conta da Horizontes, empresa de Paz que foi, nos últimos anos, a principal financiado­ra de Inhotim. Em 2016, bancou 50% dos custos de R$ 40 milhões do museu, segundo a assessoria do instituto.

As transferên­cias, registrada­s como empréstimo­s, somaram US$ 98 milhões em três anos. O Coaf notificou a saída dos recursos. Paz usou o dinheiro para comprar ao menos 20 imóveis, entre casas, fazendas e lotes em Brumadinho, três apartament­os no Rio e uma casa de R$ 2,3 milhões em Nova Lima (região metropolit­ana de Belo Horizonte).

A Horizontes também transferiu cerca de R$ 23 milhões para uma conta cujo proprietár­io não foi identifica­do pela PF. Além disso, o empresário repassou recursos da Horizontes para outras empresas do seu grupo de mineração.

O Coaf notou uma disparidad­e entre o capital social da Horizontes e o dinheiro que transitou em suas contas. Em 2007, a Horizontes declarou receitas de R$ 57 mil, mas movimentou R$ 74 milhões.

No decorrer do inquérito, a PF chamou Paz para um depoimento, mas ele se recusou a dar esclarecim­entos. Meses depois, foi indiciado pela PF.

“Eu indaguei qual a finalidade real do empréstimo, qual o destino dos recursos, quais eram os cotistas que integravam o Flamingo, quais os registros contábeis. Ele preferiu permanecer em silêncio. Eu o indiciei porque ele não comprovou a origem do patrimônio e das transferên­cias”, afirmou à Folha o delegado da PF Renato Marquis.

Para ele, a explicação sobre o dono do dinheiro poderia eliminar as suspeitas. A principal dúvida, não confirmada, era que o dinheiro pertencia a Paz, que teria utilizado o “sistema de empréstimo­s” de Cayman para pagar menos imposto. Essa hipótese depois foi rechaçada pelo empresário. OUTRO LADO O indiciamen­to da PF moldou o desenrolar de todo o caso. No ano seguinte, Paz foi denunciado pelo Ministério Público Federal. Três anos depois, em 2015, em interrogat­ório em Belo Horizonte, Paz apresentou à juíza uma explicação sobre o dinheiro.

O Flamingo, disse, era um fundo que pertencia “ao sexto maior banco da Suíça”, e os valores pertenciam a “americanos e europeus que não querem aparecer”, representa­dos por um procurador de identidade fornecida à Justiça.

Os US$ 98 milhões, disse, vão custear “um projeto de vidapós-contemporâ­neo”noentorno de Inhotim, com quatro hotéis, centro de convenções, anfiteatro, “5.000 casas de 2.000 m² cada lote, totalmente autossuste­ntável, e um projeto para 3.000 casas simples”.

Paz diz ter retirado US$ 20 milhões do fundo para pagar dívidas. O investimen­to seria recuperado com a venda dos terrenos e a instalação do projeto. Mas as explicaçõe­s não convencera­m a Justiça. 2006 a 2008 Um fundo de investimen­to nas lhas Cayman, chamado Flamingo, faz transferên­cias no valor total de US$ 98 milhões para a Horizontes Parte dos recursos foi usada para quitação de dívidas de outras empresas do Grupo Itaminas e aquisição de imóveis

2008

Inhotim se torna uma Oscip (Organizaçã­o da Sociedade Civil de Interesse Público)

2012

Paz permanece em silêncio ao depor à PF. Ele é indiciado sob suspeita de lavagem de dinheiro

2013

Ministério Público Federal denuncia Paz, sua irmã Eugênia e outras pessoas

2015

Paz é interrogad­o pela Justiça Federal e nega ter cometido qualquer crime Afirma que o dono da Flamingo era “o sexto maior banco da Suíça”, e os recursos seriam investimen­to para um empreendim­ento hoteleiro e uma vila em Inhotim

2017

A juíza federal Camila Velano condena Paz a nove anos de reclusão por lavagem; o empresário recorre

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Claudio Belli-25.ago.2016/Valor Econômico/Agência O Globo Bernardo Paz em Inhotim; o empresário e mecenas foi condenado por lavagem de dinheiro em primeira instância
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Instalação de Chris Burden em Inhotim

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