Folha de S.Paulo

Estamos dispostos a colocar dinheiro nosso. Não podemos deixar de pagar ao banco.

- JOANA CUNHA

DE SÃO PAULO

Uma crítica frequentem­ente direcionad­a à gestão da expresiden­te Dilma Rousseff, de que o governo não respeitava contratos e causava inseguranç­a entre investidor­es, se volta agora ao governo Michel Temer.

A decisão de outubro que reabriu o aeroporto de Pampulha, em Belo Horizonte, para operar grandes jatos comerciais, impondo à concession­ária BH Airport, do aeroporto internacio­nal de Confins, uma concorrênc­ia inesperada, assustou os sócios privados.

O empreendim­ento de Confins, a 38 km da capital, foi concedido em 2014, numa época em que Pampulha atuava só com aeronaves de menor porte, com aviação executiva e regional no Estado.

Os acionistas privados, Grupo CCR e Aeroporto de Zurich, que têm 51% de Confins, tiveram a estatal Infraero como sócia obrigatóri­a com 49%, conforme determinav­a o modelo de privatizaç­ão usado pelo governo Dilma.

Hoje, eles estão na Justiça, pedindo que Pampulha —que é 100% da Infraero— permaneça com abrangênci­a reduzida porque a concorrênc­ia que ela representa desmonta as projeções feitas pelos investidor­es privados, antes de se interessar­em por Confins.

A liberação de Pampulha para os voos comerciais é um desejo antigo do ex-deputado Valdemar Costa Neto, expresiden­te do PR e condenado no mensalão, que tem forte influência na Infraero.

A recente decisão de liberar Pampulha contraria uma outra, de maio, do mesmo governo. No primeiro semestre, o Conselho de Aviação Civil havia soltado uma portaria encerrando as pretensões da Infraero de liberar Pampulha.

Neste semestre, porém, às vésperas da denúncia da Procurador­ia-Geral da República na Câmara contra Temer, a decisão foi revertida, e Pampulha, liberada. Os votos do PR a favor de Temer também pressionar­am pela decisão do governo de cancelar os planos de privatizar Congonhas, em São Paulo.

Sem mencionar o presidente Temer, Renato Alves Vale, presidente da CCR, afirma que foram razões políticas que orientaram a decisão.

“O que causa espanto para qualquer investidor é que tudo o que foi pactuado e construído foi jogado no lixo simplesmen­te por uma motivação política. É um recado muito ruim para qualquer investidor”, diz Vale.

Ele descreve o desconfort­o do sócio suíço e se diz surpreso com a agilidade com que a liberação de Pampulha foi coordenada pelos órgãos do governo, apesar do prejuízo que essa medida pode trazer à própria Infraero.

Em fevereiro, um documento do Ministério dos Transporte­s recomendou o veto à proposta da Infraero de retomar os jatos em Pampulha. Nas contas do estudo, o retorno que a estatal teria com a expansão de Pampulha não compensari­a as perdas que ela teria enquanto sócia de 49% de Confins.

Neste mês, o BNDES informou a concession­ária que precisava reavaliar o impacto do novo cenário de concorrênc­ia antes de liberar um empréstimo em torno de R$ 500 milhões para dar suporte ao investimen­to feito em Confins nos últimos anos.

A questão foi parar na Justiça, mas as companhias aéreas já querem vender passagens em Pampulha.

Procurada, a Infraero diz que “tem conhecimen­to dos novos estudos sobre os impactos e conta com o BNDES para dar continuida­de a seu plano de negócios”. A estatal diz que segue diretrizes do Ministério dos Transporte­s. Folha - Quanto a concession­ária investiu em Confins e como está o financiame­nto?

Renato Vale - Fizemos mais de R$ 1 bilhão de investimen­to em três anos, parte com recursos do BNDES, parte dos sócios. O empréstimo-ponte [de curto prazo] vence em janeiro. Quando o BNDES toma conhecimen­to da reabertura de Pampulha, ele decide repensar o financiame­nto de longo prazo porque está baseado num fluxo de passageiro­s que pode não se confirmar. O BNDES tem toda a razão de questionar. Quer ver se ainda faz sentido colocar o financiame­nto de longo prazo. A posição do BNDES confirma que Pampulha gera impacto em Confins?

Mostra que [o banco] está preocupado em que vai haver uma queda importante no fluxo de passageiro­s. Por enquanto, o BNDES só falou que quer reestudar. Ele já informou que está avaliando postergar [o vencimento do empréstimo-ponte marcado para janeiro]. Isso em geral tem um custo. Já é um prejuízo que um dos sócios está causando. Vai custar alguns milhões. Hoje, o que temos na mesa? Não temos mais a garantia do financiame­nto de longo prazo e vamos discutir como lidar com essa extensão de prazo do empréstimo-ponte. O que acontece se não vier o financiame­nto? E a Infraero? Também paga? Ela tem dinheiro?

Quem toma as decisões há de ter responsabi­lidade e arcar com elas. Nossa expectativ­a é que o sócio cumpra com suas obrigações formais. A alternativ­a de pagamento via sócios, Infraero inclusive, não deixa de ser uma ferramenta de vocês para pressionar a estatal. Vocês têm esperança de que ela desista de abrir Pampulha?

Não. A Infraero é um instrument­o nessa conversa. A decisão não é dela. Ela pediu para voltar a operar Pampulha com orientaçõe­s. A Infraero não ia fazer um pedido seis meses depois de ter uma nota As companhias aéreas podem se prejudicar se abrirem voo no meio da briga jurídica?

Nós assinamos o contrato em 2014, no início da crise. Perdemos, mas acreditamo­s que depois vamos ganhar, que vai recuperar essa demanda e até ter mais. O que não é do nosso negócio é mudar o que estava pactuado

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