Folha de S.Paulo

Lava Jato levou a mudanças na prática do Direito Penal

- MARCELO KNOPFELMAC­HER

Com a deflagraçã­o da Lava Jato e demais operações visando o combate à corrupção no Brasil, ficou evidenciad­a a utilização, pelo Estado, das chamadas “forças tarefas”.

A expressão (adaptada do inglês “task force”), originalme­nte extraída do vocabulári­o militar, significa, segundo o dicionário, “grupo de operação formado por diferentes unidades, sob comando único, mas com certa autonomia, para cumprir missão específica e temporária.”

No âmbito civil, a expressão tem por significad­o corrente “grupo de especialis­tas de diferentes áreas, relativame­nte autônomo, criado temporaria­mente para realizar determinad­a tarefa.”

As forças tarefas são integradas, no plano federal, por Polícia Federal, Ministério Público, Receita Federal, Controlado­ria Geral da União e Tribunal de Contas da União. Têm ainda participaç­ão da Advocacia Geral da União e eventuais reflexos junto a Banco Central, Comissão de Valores Mobiliário­s e mesmo o Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica.

Diante delas, os alvos das operações —vale dizer, as pessoas físicas e jurídicas investigad­as— se viram diante da circunstân­cia de responder, simultanea­mente, a diversos órgãos para exercer seus direitos.

A defesa, assim, teve de contemplar todas as diferentes áreas das forças tarefas, o que, naturalmen­te, passou a exigir a formação de “contra forças tarefas”, compostas por advogados e profission­ais do direito no âmbito privado, com profundo conhecimen­to integrado de direito administra­tivo, penal, tributário, de mercado de capitais, societário, bancário e econômico.

Isso é necessário tanto para promover a defesa técnica das pessoas físicas e jurídicas implicadas como para as tratativas que dizem respeito a acordos de colaboraçã­o premiada e de leniência.

Sim, porque, no Brasil, os órgãos de acusação não se confundem com o Poder Judiciário, que, por imposição constituci­onal, deve ser isento e imparcial, equidistan­te tanto dos que fiscalizam e denunciam como daqueles que promovem a defesa.

O Direito Penal, muitas vezes exercido sob o ponto de vista de nulidades e impropried­ades formais das denúncias criminais, passou a exigir análise profunda de mérito e pleno conhecimen­to das operações fiscais e societária­s subjacente­s, a fim de refutar acusações, por exemplo, de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e crimes contra o mercado de capitais. Surgiu, portanto, um novo Direito em resposta a um novo Estado.

Por outro lado, se de fato rumamos para um novo Estado —e isso é o que se espera como resultado do esforço que se imprime por meio dessas operações, com seus erros e acerto—, é fundamenta­l que se possa enxergar uma saída para a retomada do empreended­orismo e do cresciment­o econômico no Brasil.

Combate à corrupção não pode significar paralisia do país, quebra ou esfacelame­nto irreversív­el das empresas atingidas —verdadeiro­s conglomera­dos que empregam centenas de milhares de pessoas em áreas fundamenta­is como infra estrutura, indústria alimentíci­a, energia, construção civil etc.

É, portanto, crucial uma agenda voltada para o dia seguinte, para o pós operações anticorrup­ção, com a manutenção dos postos de trabalho e retomada da atividade econômica, bem como a elevação do padrão ético nas relações entre Estado e empresas. Essa é a grande expectativ­a da sociedade brasileira. MARCELO KNOPFELMAC­HER

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