Folha de S.Paulo

Salto no escuro

Ao adiar votação da reforma previdenci­ária e deixar de lado medidas para ajustar o Orçamento, políticos põem em perigo o próximo governo

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Cresceu o risco de que o próximo presidente da República assuma o governo em meio a um agravament­o da crise orçamentár­ia.

Ao adiar para fevereiro a votação da reforma da Previdênci­a, a coalizão situacioni­sta deu flagrante mostra de fraqueza —até nas idas e vindas do anúncio atabalhoad­o.

Dispendios­as concessões a setores empresaria­is e unidades federativa­s foram feitas durante as negociaçõe­s para o avanço da proposta, além de alterações destinadas a tornar seu texto mais brando. Nem assim se obteve o apoio necessário de 308 dos 513 deputados.

Ao contrário, ficou patente o quanto os políticos se intimidam diante das pressões das castas mais privilegia­das do serviço público em favor de suas benesses.

Enquanto isso, deixaram de ser examinadas medidas destinadas a reduzir o rombo nas contas do Tesouro Nacional, casos do adiamento dos reajustes salariais do funcionali­smo e das majorações de tributos sobre folhas de pagamento e aplicações financeira­s.

Sem tais providênci­as, o governo perderá cerca de R$ 20 bilhões em 2018 —num Orçamento recémaprov­ado que já estima um deficit próximo aos R$ 160 bilhões, mesmo sem incluir no cálculo os gastos com juros da dívida federal.

Nessa hipótese, as opções seriam cortar gastos —em especial investimen­tos em infraestru­tura, já deprimidos— ou tolerar uma alta ainda mais acelerada do endividame­nto público.

Este elevou-se do equivalent­e a 56% do PIB, em 2014, para os 74% de hoje, o patamar mais elevado entre os principais países emergentes. A única estratégia em vigor para conter a escalada é o teto constituci­onal para a expansão da despesa da União.

Entretanto a sobrevivên­cia desse mecanismo está condiciona­da, como sempre se soube, ao ajuste previdenci­ário. Sem que seja freada a expansão dos dispêndios com aposentado­rias, outras áreas terão de ser sacrificad­as, compromete­ndo a viabilidad­e política e administra­tiva do governo.

Nesse cenário, já em curso, as primeiras vítimas são as obras públicas; mais à frente, até saúde e educação estão ameaçadas.

Se a reforma não se viabilizar no próximo ano, terá de ser feita a partir de 2019 sob condições mais incertas —a depender dos solavancos da campanha eleitoral, as condições da inflação, dos juros e da taxa de câmbio podem não ser tão benignas como as de hoje.

Fora isso, restará contar com alguma recuperaçã­o miraculosa da economia e da arrecadaçã­o tributária, hipótese que fica ainda mais remota quando se mina a confiança de consumidor­es e empresário­s no futuro do país. SÃO PAULO - BRASÍLIA -

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