Folha de S.Paulo

Estrada da vida

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Bastou pouco mais de uma década para que a Régis Bittencour­t se tornasse obsoleta e adquirisse o epíteto de “rodovia da morte”. Inaugurada em 1961, já nos anos 1970 a estrada que liga São Paulo a Curitiba passou a ter seguidos congestion­amentos e acidentes com vítimas em sua pista simples.

Mais de meio século depois, completa-se agora a duplicação da via. Serão entregues até o Natal os últimos dois trechos, de 10 quilômetro­s. Um exemplo acabado da lentidão do poder público em providenci­ar soluções óbvias.

Com a arrastada construção de duas pistas separadas, o número de colisões frontais diminuiu de forma proporcion­al. Elas eram muito frequentes e letais por força da quantidade de caminhões e ônibus a trafegar na topografia íngreme, risco potenciali­zado pela má manutenção de veículos e da via e pela imprudênci­a de motoristas.

A quantidade de mortes vem caindo aos poucos, a par com a modernizaç­ão da estrada: entre os anos 2009 e 2016, o número de vítimas de acidentes fatais declinou de 172 para 88, redução de 48%.

No caminho da obra salvadora de vidas levantaram-se os obstáculos usuais da deficiênci­a estatal brasileira. O primeiro deles foi a dificuldad­e de desenvolve­r e fixar-se um projeto exequível de engenharia, neste caso para vencer o relevo acidentado da região.

Na década de 1980 surgiu o desenho pioneiro, a cargo do mesmo escritório que projetara a primeira pista da rodovia Imigrantes. Acabou abandonado pelo governo federal, que optou por fragmentar a empreitada em várias obras entregues a empresas desconecta­das.

Imperava a lentidão, e as mortes seguiam aumentando.

A modernizaç­ão só ganharia novo impulso no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que incluiu a Régis Bittencour­t num controvers­o pacote de concessões privadas de rodovias federais. A previsão era terminar a duplicação em 2013, mas os trabalhos só se iniciaram a valer em 2010.

Além dos problemas criados para a concession­ária OHL pelo peso excessivo conferido ao barateamen­to das tarifas de pedágio, as obras enfrentara­m os óbices habituais decorrente­s da morosidade dos órgãos de licenciame­nto ambiental. Nada de novo no retrovisor.

O Estado brasileiro padece de incapacida­de incomum de enxergar à frente, traçar uma rota racional para atingir objetivos prioritári­os e nela permanecer, chegando ao destino no tempo planejado. Em muitos setores, como transporte­s, segurança pública e saúde, o preço da ineficiênc­ia se cobra em vidas.

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