Folha de S.Paulo

O STF e a prisão em segunda instância

Não se enganem: a justiça não é sinônimo de prisão e condenação, como vem sendo difundido; o ministro Gilmar Mendes estava certo!

- JOÃO PAULO CUNHA, LUÍS ALEXANDRE RASSI E ROMERO FERRAZ FILHO

Vivemos tempos de atirar pedras. Nas redes sociais, “a legião de imbecis”, segundo Umberto Eco (19322016), adquiriu o direito de falar bobagens que bem entenderem, sem a cerimônia exigida de um prêmio Nobel. Admitir o acerto de alguém é receber uma chuva de pedras a negá-lo em si próprio. Ficou feio reconhecer que alguém acertou.

Trata-se da polêmica instalada nas hostes do direito acerca do restabelec­imento da ordem no que tange à execução provisória da pena sem que tenha alcançado o trânsito em julgado da condenação.

O ministro Gilmar Mendes não precisa de defesa. Seus atos são, no plural, carregados de responsabi­lidades. Certos ou errados, ele responde por eles. Interessa, aqui, apresentar a justeza de uma singular decisão de seu labor, que qualquer dos seus dez colegas ministros do Supremo Tribunal Federal se sentiria à vontade para referendar, quando, ao deferir pedido liminar, sinalizou a mudança de entendimen­to em relação à execução provisória da pena, suspendend­o-a.

Pende, no seio da corte suprema, a definição mais amadurecid­a do significad­o prático do cumpriment­o das execuções provisória­s de pena por decisão de segunda instância. Esse debate desce aos doutrinado­res, operadores do direito e instâncias inferiores do Judiciário.

Evidente que essa afirmativa não quer desconhece­r o exarado no habeas corpus 126.292, que a permitiu, sem, entretanto, impor o efeito vinculante. Muito menos o preceito constituci­onal da presunção da inocência (inciso LVII do artigo 5º).

O ministro Gilmar Mendes, ao tratar do tema, disse que seguiria a interpreta­ção do ministro Dias Toffoli, para o qual a execução provisória só seria possível após decisão do Superior Tribunal de Justiça em eventual recurso apresentad­o à corte. Disse Gilmar: “Muitas vezes o sujeito foi condenado em regime fechado e consegue, no STJ, direito de ir para o semiaberto, ou coisas do tipo. Toffoli trouxe argumentaç­ão, e estamos fazendo essa análise.”.

E foi exatamente o que aconteceu: almejando cessar o constrangi­mento ilegal que sofreu um cidadão brasileiro, os signatário­s impetraram ordem de habeas corpus, com pedido liminar, no STF (HC 146.815), buscando justiça. Este pedido foi motivado pelo fato de o cidadão ter iniciado cumpriment­o da pena sem que houvesse ocorrido o trânsito em julgado. A expectativ­a era de que a prisão não lhe fosse cabível. Por certo, amoldou-se por completo ao que o ministro Gilmar havia afirmado.

Ao ter a condenação confirmada em segunda instância, o réu recorreu ao STJ e teve apoio do MPF, órgão de acusação, que opinou pelo parcial deferiment­o para readequar a pena, pois, de igual modo, entendia ter sido esta demasiada.

Na análise do mérito, o STJ decidiu pela redução da pena, alterando-a de prisão para restritiva­s de direitos. Ou seja, antes mesmo da análise do recurso, ao deferir o pedido liminar no STF, o ministro Gilmar Mendes fez justiça.

O tema é por demais relevante para ser simplifica­do nas circunstân­cias do momento. Uns capitulam, outros se escondem no momento de defesa do Estado de Direito. As violações e as exceções impõem medo à sociedade, ludibriada pelo mantra de se fazer justiça. Mas, não se enganem, a justiça não é sinônimo de prisão e condenação, como vem sendo difundido. O ministro Gilmar Mendes estava certo! JOÃO PAULO CUNHA, LUÍS ALEXANDRE RASSI ROMERO FERRAZ FILHO

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