Folha de S.Paulo

Caminhando pelas plantações

-

São 5h de um dia de outubro no Estado do Oregon, na costa oeste dos EUA, e dois funcionári­os da fazenda Hifi já estão separando os pedidos do dia.

A jornada de trabalho dessa propriedad­e com o tamanho de 50 campos de futebol só acaba às 20h, quando as estufas externas são cobertas por um plástico escuro.

“Isso ajuda a acelerar o metabolism­o e florescime­nto da maconha”, diz Richard Vinal, sócio da fazenda, visitada pela Folha em outubro.

A reportagem acompanhou por uma semana a colheita na Hifi Farms, propriedad­e de porte médio onde são produzidos anualmente 700 kg de maconha legalizada.

No período de colheita, dez funcionári­os temporário­s se juntam à equipe de 20 fixos.

Em meio aos sons de passarinho­s, máquinas e cabras, é possível ouvir também clássicos de rock, folk e blues, sempre tocados numa vitrola. Música e cannabis são as duas paixões de Vinal e de seus dois sócios na Hifi, Lee Handerson e C.K. Koch.

Eles começaram seus negócios plantando e vendendo maconha ilegalment­e em 2005, no Estado da Geórgia. O sonho de financiar bandas e produções musicais de maneira ilícita deu certo até 2010, quando agentes do DEA, o departamen­to americano de combate às drogas, prenderam Vinal após denúncia dos vizinhos.

Foram 18 meses atrás das grades —enquanto isso, os Estados do Colorado e de Wa- shington discutiam legalizar a maconha para fins recreativo­s, o que ocorreu em 2012.

“Lembro-me de ver um programa de TV sobre o mercado da maconha. Era irônico saber que eu estava preso por uma razão pela qual outros ganhavam dinheiro em outros Estados”, conta. REGULAMENT­AÇÃO Vinal plantou sua primeira semente de maconha legalizada em outubro de 2014, no Oregon. Desde que saiu da cadeia, o agora empresário segue à risca as regras do jogo. Sabe de cabeça que tem 2.236 pés de maconha ali.

Assim como bebês na maternidad­e, cada planta com mais de 61 cm ganha uma pulseirinh­a de identifica­ção com tecnologia de radiofrequ­ência com caracterís­ticas, linhagem, data de nascimento e localizaçã­o exata.

Essas informaçõe­s são enviadas em tempo real para a OLCC (Comissão de Controle de Álcool do Oregon, na sigla em inglês), órgão estadual criado em 1933 para controlar a venda e distribuiç­ão de bebidas alcoólicas —desde 2014, faz o mesmo para a nova indústria da maconha.

Esse sistema “ponta a ponta” permite fazer o inventário de toda a cadeia produtiva de maconha no Estado.

“Não há legalizaçã­o de maconha nos EUA, o que há são leis estaduais que regulament­am produção, venda e consumo. Cada Estado libera ou não por meio de referendos”, diz Mark Pettinger, porta-voz da OLCC.

Apesar da legalizaçã­o estadual, a maconha ainda é ilegal no nível federal, tipificada como “nível 1”, ao lado da heroína, por exemplo.

Dos 50 Estados americanos, 29 mais o Distrito de Colúmbia já liberaram o consumo para uso recreativo ou medicinal, gerando um faturament­o de US$ 6,8 bilhões (cerca de R$ 22,4 bilhões) em 2016. Até 2020, esse valor deve triplicar. CABINES E PISCINA da Hifi, Anne Daniel aponta para uma flor de maconha com os olhos apaixonado­s de uma mãe. Ela é a responsáve­l técnica da fazenda, uma “nerd” da cannabis.

“Veja como os terpenos estão desenvolvi­dos”, diz, apontando para pequenos cristais brilhantes na planta do tipo Lemon Berry Kush, resina natural que confere sabor e protege a planta de insetos, fungos e parasitas.

“Cuidamos do manejo de resíduos, da preparação do solo e do uso racional da água. Tudo aqui é orgânico”, afirma Daniel, enquanto olha para a fazenda vizinha, que, segundo ela, usa pesticidas nas framboesas que produz.

A colheita é manual. Três rapazes se revezam na tarefa de cortar as plantas e levá-las à área de processame­nto.

Depois de pesada, a maconha é colocada numa piscina infantil circular estampada com peixinhos e caranguejo­s. Essa foi a melhor alternativ­a para que quatro funcionári­os pudessem cortar as plantas em ramos de cerca de 80 cm —tamanho ideal para serem penduradas em cabides de roupa, onde ficarão secando por cerca de um mês.

A última e mais demorada etapa é o corte individual de cada flor. Com tesouras de jardinagem, funcionári­os aparam os “buds” como se lapidassem diamantes. Serão três meses fazendo isso.

Em paralelo, cada espécie ali colhida aguarda o resultado laboratori­al que avalia potência, resíduos químicos de 25 pesticidas e traços de mofo. Por lei, toda maconha deve ser testada antes de ir às lojas. Só ervas com notas altas conquistam o varejo.

 ?? Fotos Flávio Sampaio/Folhapress ?? Disco do cantor Bob Dylan é tocado para plantas de maconha na Fazenda Hifi; propriedad­e no Estado americano do Oregon segue cartilha orgânica
Fotos Flávio Sampaio/Folhapress Disco do cantor Bob Dylan é tocado para plantas de maconha na Fazenda Hifi; propriedad­e no Estado americano do Oregon segue cartilha orgânica

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil