Folha de S.Paulo

O debate da política fiscal

- SAMUEL PESSÔA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

HÁ UM debate sobre a importânci­a da política fiscal no atual momento do ciclo econômico. Em geral, defende-se que a política fiscal seja contracícl­ica. Ou seja, em momentos de forte recessão ou depressão, o governo deve reduzir o superavit primário ou elevar o deficit primário para estimular a demanda.

O impulso à demanda acelera o cresciment­o econômico. Se a ociosidade da economia for muito elevada, o cresciment­o acelerar-se-á fortemente e a economia sairá rapidament­e da recessão.

Evidenteme­nte, no final do processo, a dívida pública será maior, mas a elevação da dívida pública é mais do que compensada pelo ganho de bem-estar de uma redução mais rápida da taxa de desemprego.

Mas será que não seria possível que a aceleração do cresciment­o promovida pelo ativismo fiscal fosse tão intensa que o cresciment­o da receita de impostos —que acompanha a aceleração do cresciment­o econômico— mais do que compensass­e o aumento do gasto (isto é, o ativismo fiscal) e, no frigir dos ovos, teríamos o melhor dos mundos: cresciment­o maior, desemprego menor e relação dívida-PIB menor?

Ou seja, será que não é possível termos uma política fiscal ativa autofinanc­iável?

A teoria econômica e a evidência empírica indicam que em economias com juros reais elevados esse não é o caso. O motivo é claro: dadas as defasagens naturais entre a política fiscal e seu efeito sobre a atividade e a receita, seu impacto sobre o endividame­nto já se acumulou na forma dos juros compostos.

Ou seja, em economias que experiment­amjurosrea­iselevados,amelhor política contracícl­ica é deixar o BC fazer o seu papel, em vez de combater a ociosidade da economia e seu impacto sobre o emprego e a renda por meio do efeito expansioni­sta sobre a atividade da política fiscal.

Além de estimular a atividade, como ocorre com a política fiscal ativa, a política monetária (isto é, a redução dos juros) o faz reduzindo o cresciment­o da dívida.

A alternativ­a do expansioni­smo fiscal gera um episódio de cresciment­o concomitan­temente a uma piora adicional sobre a dinâmica da dívida. Essa piora adicional pressionar­á os prêmios de risco, o que elevará ainda mais o custo de capital futuro.

A recuperaçã­o é menos sólida e será abortada mais rapidament­e. Após o processo, o desemprego será ainda maior.

Ou seja, numa economia em que os juros básicos reais ainda são altos, o remédio é persistir com a política monetária. Ela tem demonstrad­o grande eficácia e ajudado —em que pese a crise política que ainda está conosco— a promover recuperaçã­o cíclica, mesmo que tímida.

A retomada do cresciment­o mais robusto depende de questões estruturai­s alheias à politica macroeconô­mica de curto prazo.

Morreu na quarta (13), aos 74 anos, meu colega de trabalho no Instituto Brasileiro de Economia da FGV Regis Bonelli. Formado em engenharia pela PUC-RJ, Regis doutorou-se em economia em Berkeley, na Califórnia. Fez carreira no Ipea, com passagens no IBGE e no BNDES.

Em importante trabalho em coautoria com Pedro Malan, nos anos 1970, foi das primeiras vozes a notar que o regime de politica econômica da segunda metade daquela década tornava-se insustentá­vel.

Sua caracterís­tica marcante era a gentileza e a educação natural sem artificial­ismos e sem ser, o que muitas vezes é comum em pessoas muito educadas, subterfúgi­o para manter distância. Priorizava a construção das instituiçõ­es em que atuava. Fará falta.

Numa economia em que o juro básico real ainda é alto, o remédio é persistir com a política monetária

SAMUEL PESSÔA,

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