Folha de S.Paulo

Chocolate em pó ganha narizes estrangeir­os, mas não dá barato

Moda lançada em 2007 tem pouca adesão no Brasil; especialis­tas, porém, já estão preocupado­s

- LETÍCIA NAÍSA

Agência americana de drogas e alimentos advertiu criadora de chocolate em pó feito ‘para ser cheirado’ FOLHA

Em 2007, o chocolatie­r belga Dominique Persoone criou uma sobremesas inusitada para uma festa dos Rolling Stones: chocolate em pó para ser cheirado como se fosse cocaína. A inspiração veio do hábito de seu avô de cheirar rapé. Ele criou também o “chocolate shooter”, uma espécie de catapulta para ajudar na tarefa.

“Eles adoraram”, disse Persoone à Folha. “No dia seguinte saiu uma notícia contando que eles haviam cheirado chocolate, por isso virou um sucesso.” Desde então a prática tem ganhado adeptos especialme­nte na Europa e, recentemen­te, também nos EUA.

Tanto que houve até a tentativa por parte de uma marca de chocolate em pó de ocupar esse “nicho de mercado”.

A agência reguladora de drogas e alimentos dos Estados Unidos, FDA, notificou a empresa responsáve­l pelo chocolate em pó Coco Loko, que foi feito par ser cheirado e que vem sendo anunciado como possível “substituto” para cocaína e outras drogas.

A agência critica ainda a inclusão de taurina e guaraná na composição do Choco Loko, que não são feitos para serem consumidos por via nasal. A promessa da marca é gerar uma explosão de energia e euforia no usuário. CACAU X COCAÍNA Segundo Persoone, a ideia era apenas fazer uma piada, mas, recentemen­te, o chocolate em pó tem marcado presença em festas no hemisfério norte. Por aqui, há poucos relatos de pessoas que aderiram à moda.

O Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína do mundo, lembra Renato Filev, pesquisado­r do Centro Brasileiro de Informaçõe­s sobre Drogas Psicotrópi­cas (Cebrid). Por isso, a moda de cheirar cacau poderia pegar.

“O chocolate só está sendo inalado porque a cocaína é proibida ou não chega. Os indivíduos recorram a outras substância­s que têm à mão.”

A psiquiatra e professora da Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo) Ana Cecília Marques trata dependente­s em cafeína e explica que a causa da busca por estimulant­es é multifator­ial.

Para ela, o uso do cacau em pó aponta surgimento de uma nova onda no consumo de drogas marcada pelo contexto econômico e pela busca de novas sensações.

“Nós vimos isso acontecer com todas as drogas na história da humanidade. Acho que vai ter uma onda de consumo, algumas pessoas terão problemas, outras não, e, quando a onda diminuir, vão se manter usuários aqueles que desenvolve­rem tolerância e dependênci­a”, diz.

O uso recreativo do chocolate, no entanto, data da época dos maias e astecas, diz Alexandre Vallera, historiado­r e professor da Universida­de Federal da Integração Latino-Americana (Unila).

As elites dessas civilizaçõ­es latino-americanas faziam uso do cacau em pó em bebidas que acreditava­m ser mágicas. Segundo o professor, existem relatos de que a bebida de chocolate tinha efeito embriagant­e e dava energia aos guerreiros.

Na Europa, ela era apreciada em “coffee shops” como uma bebida exótica nos séculos 18 e 19.

Para Vallera, existe uma expectativ­a cultural e um contexto em torno do ato de cheirar chocolate. “Ao usar como se fosse cocaína, você cria expectativ­a de ter o mesmo efeito, então isso gera o efeito de fato”, diz.

As doses presentes em uma carreira de pó de cacau, no entanto, não são suficiente­s para gerar embriaguez.

“Essa classe dos estimulant­es tem um impacto e estimula o cérebro, mas cheirar chocolate não vai fazer ninguém ficar muito louco”, diz Marques. “Fazer uso de múltiplas substância­s é que faz a diferença.”

Filev opina que a moda do chocolate em pó é apenas uma forma de burlar o sistema. “Você adquire o mesmo efeito, o barato, com uma substância lícita. Como a dose é baixa, não deve haver tanto efeito colateral.”

Para Persoone, que produz chocolates cheiráveis nos sabores gengibre com hortelã e framboesa, essa é uma boa notícia. “Eu não sou traficante”, diz. “Não sou o novo Pablo Escobar do chocolate”, brinca.

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O chocolatie­r belga Dominique Persoone, que lançou a moda de cheirar chocolate

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