Folha de S.Paulo

A selva é aqui

- PAULO VINICIUS COELHO

A polícia carioca não recebe nem o salário, nem 13º nem a bonificaçã­o. É licença para saquear, furtar, matar

NA TERÇA-FEIRA (12), o Mineirão apresentou candidatur­a para ser o estádio da primeira final única da Libertador­es. Na quarta-feira (13), saiu do páreo. “O Brasil perdeu a chance de ser sede da primeira decisão”, diz um dirigente da Conmebol, escandaliz­ado com o vandalismo no Maracanã, em Flamengo x Independie­nte.

O histórico hábito brasileiro de atribuir a argentinos e uruguaios a selvageria nas competiçõe­s de clubes da América do Sul transforma-se diante das evidências de que somos mais primitivos.

Logo depois da batalha campal em Montevidéu, em Peñarol x Palmeiras, em abril, Diego Lugano alertou para o que, na visão dos uruguaios, é um problema brasileiro. “Todas as confusões envolvem times do Brasil”, disse.

O contra-argumento é Atlético Nacional x Rosario Central, briga no final, em 2016. Mas houve Atlético-MG x Arsenal de Sarandí em 2014, Santos x Peñarol e Argentinos Juniors x Fluminense em 2011, São Paulo x Tigre em 2012, Palmeiras x Cerro Porteño em 2006, São Caetano x América do México em 2004, Corinthian­s x River Plate e São Paulo x River Plate em 2005...

“Me parece que os brasileiro­s que vêm à Argentina são mais bem tratados do que os argentinos que vão ao Brasil”, diz, de Buenos Aires, o editor da revista El Grafico, Elias Perugino.

O Rio de Janeiro, com seus três governador­es presos, tem agravantes na comparação com São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte. O Flamengo disputou 18 partidas no Maracanã neste ano e registrou tentativa de invasão em quatro (22%). A segunda maior torcida uniformiza­da do clube, a Jovem, está proibida de ir ao estádio e não tem acesso aos ingressos. A suspeita é que seus integrante­s comandam as invasões. Convocam pelas redes sociais.

O antídoto óbvio seria bloquear o acesso ao estádio um quilômetro antes e só permitir a entrada de quem tiver ingresso. Esquema igual ao da Copa do Mundo. A Polícia Militar tem uma desculpa ridícula para explicar por que não faz isso. Diz que o sistema de ingressos carregados nos cartões de sócios-torcedores impede saber se os portadores dos cartões têm ou não o bilhete.

Basta avisar que será necessário o recibo da compra junto com o cartão de sócio para ultrapassa­r o bloqueio. E bloquear!

Diferente dos clubes de São Paulo, os times do Rio não pagam pelo policiamen­to. Significa que a polícia carioca não recebe nem o salário, nem o décimo-terceiro, nem a bonificaçã­o. É licença para invadir, saquear, furtar, matar.

Neste ano, houve homicídio em frente ao Engenhão, briga generaliza­da em São Januário e quatro invasões ao Maracanã.

O grupo especial de policiamen­to dos estádios deveria ser especial, mas não se julga capaz de fazer bloqueio a um quilômetro do estádio para evitar as invasões que se repetem.

Casos assim não têm acontecido em Itaquera, no Allianz Parque, no Morumbi, no Mineirão, nem na Arena do Grêmio... Mas a fama se espalha.

Em Buenos Aires, ninguém precisa saber que o estado do Rio de Janeiro está falido. O que se fala na América do Sul é que, no Brasil, a chegada ao estádio acontece sob gás de pimenta. A selvageria não está em Buenos Aires ou Montevidéu. Está no Brasil.

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