Folha de S.Paulo

Os korubos querem falar

- LEÃO SERVA

No fundo da floresta que habitam desde sempre, os korubos, conhecidos como os “violentos índios caceteiros,” correm armados com suas bordunas em direção ao forasteiro que se aproxima. Cercam-no e iniciam uma intensa gritaria, enquanto miram o fundo dos olhos do homem branco. O susto inicial logo é substituíd­o por um estranhame­nto diante do enigmático som gutural que todos emitem infinitas vezes: “Hei, hei, hei, hei, hei...”.

Os korubos recebem assim Sebastião Salgado, fotógrafo mais famoso do planeta, que ficou em sua aldeia no vale do Javari por 20 dias entre setembro e outubro para produzir o novo projeto, “Amazônia”.

Os korubos são cerca de 80 índios que mantêm contato regular com funcionári­os do Estado brasileiro e outros tantos que ainda vivem na floresta, sem convívio com outros grupos, indígenas ou não. Os contatados estão divididos em duas aldeias às margens do rio Ituí, na Terra Indígena Vale do Javari, no oeste do Amazonas, junto à fronteira com o Peru, a 3,5 mil km de São Paulo e 1,2 mil km de Manaus.

Classifica­dos como “índios de recente contato”, ou pouca relação com os não índios, vivem de forma tradiciona­l, poucos falam português e têm grande fragilidad­e diante das doenças comuns entre não índios. Por isso, a presença de brancos é evitada em sua comunidade.

A expedição de Salgado marca a primeira vez que uma equipe de documentaç­ão e jornalista­s se hospeda com os korubos. O colunista da Folha acompanha a visita a convite de Salgado e dos índios.

Esse grupo ficou conhecido no século 20 pela violência com que atacava invasores de seus território­s, usando bordunas (cacetes), arma que gerou seu apelido. Os ataques dos índios foram seguidos de represália­s de não índios, que resultaram em diversos massacres.

Foi para evitar essas incursões de vingança que o indigenist­a Sydney Possuelo organizou a expedição aos korubos, em 1996. A iniciativa durou meses. Na época, foram contatados 21 índios. Outros dois grupos se juntaram a eles em 2014 e 2015.

A área foi palco de duas denúncias recentes de supostos ataques a índios isolados. Expedições da Funai encontrara­m garimpeiro­s atuando ilegalment­e, mas não detectaram sinais de massacre.

Os índios temem que seus parentes isolados sejam vítimas desses ou outros ataques. Eles querem falar. O CAMINHO

As duas aldeias dos korubos , às margens do Ituí, ficam a meio caminho entre o rio Solimões e a divisa do Amazonas com o Acre. É a segunda maior reserva indígena do país (atrás da Terra Ianomâmi, em Roraima e no norte do AM), com 8,5 milhões de hectares, ao menos sete etnias e o maior número de grupos isolados (há indicação de 14).

Olhando o mapa mais ao norte, no local em que o rio Amazonas, vindo do Peru, entra em terras brasileira­s, ganhando o nome de Solimões, forma-se a tríplice fronteira entre Peru, Colômbia e Brasil.

Nesse cruzamento ficam: Leticia, capital do Estado colombiano de Amazonas, separada da brasileira Tabatinga só pelo asfalto de uma rua e uns cones de trânsito; e apartada das duas, do lado peruano, a pequena Santa Rosa de Yavari, em uma ilha no meio do grande rio.

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