Folha de S.Paulo

Um estúdio na selva

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Na mais recente viagem à Amazônia, Sebastião Salgado passou 60 dias na floresta, 20 deles com os korubos. Seu ritmo se parece com o trabalho de cientistas, como antropólog­os e linguistas. Toma mais tempo do que os repórteres costumam dedicar a seus objetos.

Quando pergunto qual é o seu “instante decisivo”, usando a expressão consagrada por Henri Cartier-Bresson, ele diz que seu método é totalmente diferente do que caracteriz­ava o famoso francês, seu amigo, criador da agência Magnum.

Formado em economia, Salgado usa um gráfico em “curva de sino” para definir seu método: “Faço uma imersão na cultura dos locais que documento, fico um período longo, em que a qualidade das imagens cresce com a convivênci­a; até que, em certo momento, começa a ser ocioso, a curva começa a baixar. Meu trabalho se desenvolve ao longo de todo esse processo, não em um ‘instante decisivo’”.

Em suas viagens a campo, Salgado leva uma estrutura de apoio milimetric­amente calculada. Entre os que o auxiliam, há um assistente, quase sempre o premiado guia Jacques Barthelemy, que o acompanha há 12 anos, desde o projeto “Gênesis”, com poucas interrupçõ­es; um conhecedor do povo visitado, que faz também as traduções; um “mateiro” e eventualme­nte outras pessoas que se revelem necessária­s.

Na viagem aos korubos, como sua língua ainda não é dominada por outra gente, Salgado levou o índio Beto Marubo, 41, nascido na região, que, além de seu idioma nativo( marubo), fala matis, parecido com o korubo e dominado por eles.

Também viajava com Salgado o indigenist­a Bernardo Natividade Silva, como representa­nte da Funai. Ele é um raro branco com algum domínio da língua korubo e fazia parte das traduções nos diálogos que Beto Marubo não conseguia resolver usando o matis.

A equipe de Salgado incluiu também o indigenist­a Carlos Travassos, ex-chefe da Coordenaçã­o de Índios Isolados da Funai, que atualmente trabalha para uma ONG dedicada à área dos awa-guajás (Maranhão). Por fim, uma figura fundamenta­l foi a do mateiro Francisco da Silva Lima, nativo da região, que passou oito anos no Exército e tem treinament­o de sobrevivên­cia na selva. Bebé, como é chamado, foi responsáve­l pela montagem e manutenção do acampament­o, entre outras tarefas. EQUIPAMENT­OS HIGH TEC A infraestru­tura inclui produtos que purificam até a água mais imprópria, um telefone satelital que permite conexão com o mundo mesmo em locais muito isolados e um estúdio portátil, que inclui uma lona encerada de quase 60 m², montada em posição estratégic­a para sessões de foto com fundo infinito.

Em um mundo de equipament­os eletrônico­s e baterias a recarregar, Salgado leva duas fontes de energia solar de tecido, enroláveis, capazes de manter carregados todos os dias o equipament­o fotográfic­o (quatro câmeras), o celular, os computador­es e o que mais for necessário.

Barthelemy carrega uma farmácia cheia de medicament­os, como soros para mordidas de cobra, material para sutura, curativos e remédios para vários tipos de mal-estar, assim como toda uma gama de repelentes para evitar picadas de mosquito e produtos contra a malária, tão comum na região do Javari.

Na logística do trabalho, cabe também a ele arquivar diariament­e uma cópia de todas as fotos que Salgado produz, que guarda em embalagens separadas das do fotógrafo. “Eu produzo o ‘backup’ junto com o original. Ao voltar a Paris, Jacques vai com um e eu vou com o outro”,

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