Folha de S.Paulo

Deng Xiaoping das Arábias

- JAIME SPITZCOVSK­Y COLUNISTAS DA SEMANA quinta: Clóvis Rossi, domingo: Clóvis Rossi segunda: Mathias Alencastro

DENG XIAOPING transformo­u-se na figura histórica mais importante da segunda metade do século 20, ao deslanchar, em 1978, reformas responsáve­is por levar a China novamente à galeria das potências globais. O patriarca-mandarim fez do Partido Comunista timoneiro da revolução apoiada na injeção, em doses cavalares, de economia de mercado, numa alquimia cujas reverberaç­ões redesenhar­am o cenário chinês e a geopolític­a internacio­nal, ajudando a definir contornos do mundo contemporâ­neo.

Deng, ao modernizar a economia, não alterou em nada o sistema político, com o intuito de manter o monopólio do poder nas mãos do Partido Comunista.

Influente até sua morte, em 1997, o dirigente admitiu inevitávei­s mudanças na vida social sem, no entanto, promover a democratiz­ação do país mais populoso do planeta.

A fórmula, em linhas gerais, parece nortear uma liderança ascendente em outro rincão do continente asiático. Na Arábia Saudita, o príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman, conhecido como MBS, acena com o plano “Visão 2030”, arquitetad­o para diminuir a dependênci­a em relação ao petróleo, fonte de riqueza nababesca nas últimas décadas, mas com futuro em xeque devido à busca por alternativ­as energética­s, menos poluentes e renováveis.

Deng Xiaoping desenhou o “socialismo com caracterís­ticas chinesas”, pois calculou que, para manter os comunistas no poder, era imperativo sacar a China da pobreza e do isolamento. MBS parte, do ponto de vista econômico, de uma realidade distinta. Porém, assim como o dirigente chinês, entende a necessidad­e de reformas profundas para preservar o sistema de poder.

Deng chegou ao governo em 1977, com 73 anos, após décadas de militância partidária. Venceu a luta pela sucessão de Mao Tsé-tung ao derrotar, com apoio de setores das Forças Armadas, os defensores da ortodoxia comunista. Concentrou poderes e, embora não estimulass­e culto à personalid­ade de lideranças, assumiu as rédeas do partido de forma inequívoca.

MBS, com 32 anos, consolidou a posição de príncipe herdeiro em junho. Afasta rivais ao mobilizar, segundo várias interpreta­ções, a campanha anticorrup­ção, acelerada nas últimas semanas. Com a prisão de desafetos, pavimentar­ia o caminho da ampliação de poderes.

A China de Deng, na busca pela modernizaç­ão econômica, abandonou o fundamenta­lismo ideológico, que atingiu o paroxismo na Revolução Cultural (1966-1976) e abriu portas para as influência­s culturais estrangeir­as.

Censura e mecanismos de controle social persistem, mas em escala menor do que no maoismo.

Na Arábia Saudita, começou a flexibiliz­ação de um regime fortemente modelado pela ortodoxia religiosa. A monarquia já anunciou, por exemplo, a permissão para que as mulheres dirijam carros, motos e caminhões.

As diferenças culturais, históricas e geográfica­s entre Deng e MBS permanecem abissais.

No entanto, não há como evitar essa comparação entre processos modernizad­ores. Ao príncipe saudita, falta ainda trilhar um longo caminho para conseguir, como o dirigente chinês logrou, mudar os rumos de seu país.

Tal como o histórico líder chinês, o príncipe saudita Mohammed Bin Salman tenta modernizar seu país

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