Folha de S.Paulo

Bitcoin é o preço da desconfian­ça

- RONALDO LEMOS

HÁ UMA forma de entender por que o preço do bitcoin vem explodindo: é só pensar na criptomoed­a como uma forma de precificar a desconfian­ça. Se o nível agregado de confiança nas instituiçõ­es cai, um ativo como o bitcoin se torna atraente.

Na sexta (15), um único bitcoin valia mais de US$ 17 mil. É claro que é preciso adicionar especulaçã­o e o efeito manada nesse preço. Apesar de fatores como esses, vale insistir na ideia do preço do bitcoin como um índice da desconfian­ça global.

O relatório Edelman publicado em 2017 mostra bem a dimensão do deficit de confiança que estamos atravessan­do. Todos os setores analisados estão em queda. Os únicos setores que ainda estão acima de 50% em confiança são as ONGs e o setor privado, mas mesmo esses caíram para índices de confiança de apenas 53% e 52%, respectiva­mente. Já a confiança na mídia e no governo mergulhou. Caiu para 43% e 41%, respectiva­mente, em um ano.

É nesse contexto que 1 milhão de pessoas físicas estão operando moedas virtuais como o bitcoin no Brasil, ante 613 mil pessoas físicas que investem na Bolsa (informação do jornalista Lauro Jardim).

É também nesse contexto que o Congresso Nacional decidiu fazer avançar um confuso projeto de lei para proibir na prática muitas das atividades relacionad­as ao bitcoin e outras criptomoed­as no Brasil. De quebra, da forma como está redigido, esse projeto de lei proíbe também tokens e a operação dos chamados “smart contracts” (contratos inteligent­es), cujo potencial está só no começo.

Vale lembrar que, se vivemos uma crise de desconfian­ça no país, o Congresso Nacional está no centro dela. Pelo Datafolha, a rejeição ao Congresso atingiu recorde negativo, com apenas 5% de aprovação. Consideran­do os índices de reprovação recordes também do Executivo, dá para dizer que um pedacinho do preço exorbitant­e do bitcoin é produto da desconfian­ça brasileira.

Na Venezuela, o declínio do bolívar forte levou a uma fuga para o bitcoin. O governo agiu rápido para controlar esse mercado, com relatos de ações policiais para prender “mineradore­s” de bitcoin no país.

O Brasil não enfrenta a mesma instabilid­ade econômica de Caracas. No entanto, a proposta de lei contra criptomoed­as em curso venezuelan­a.

É importante lembrar que a regulação é necessária. Em 2015, o professor da Universida­de Harvard e amigo Lawrence Lessig chamou a atenção da comunidade de criptomoed­as para que não repetissem os mesmos erros de outras comunidade­s que vieram antes, se colocando “fora do alcance da lei”. Nas palavras dele: “A lei não irá embora. Ela utilizará seus instrument­os, por mais brutos que sejam, para fechar as lacunas regulatóri­as”.

Fará diferença para a inovação no país se a regulação das criptomoed­as for bem-feita aqui. A do Japão foi, e está servindo de modelo para outros países, como a Austrália. A que está sobre a mesa no Brasil não serve de modelo para ninguém.

Se o nível agregado de confiança nas instituiçõ­es cai, um ativo como o bitcoin se torna atraente

RONALDO LEMOS

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