Folha de S.Paulo

Retrospect­iva

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O ministro Ricardo Lewandowsk­i, do Supremo Tribunal Federal, foi festejado ontem nas redes sociais e grupos de WhatsApp de funcionári­os públicos. A categoria se sentiu acolhida. Numa canetada, segunda-feira (18), ele barrou, ao menos em caráter provisório, a tentativa do governo de suspender o reajuste dos servidores públicos e de elevar de 11% para 14% a sua contribuiç­ão previdenci­ária.

A decisão de Lewandowsk­i foi a resposta para uma ação do PSOL. O partido questiona a legalidade da Medida Provisória que o governo federal usou para tentar suspender o reajuste e elevar a receita previdenci­ária enquanto ganha tempo para recompor o caixa que, não é segredo, tem um profundo buraco.

O governo já fala até em rever o Orçamento do ano que vem, alegando que não há como acomodar o gasto.

Não vamos discutir o inexplicáv­el: que um partido de esquerda, num país profundame­nte desigual, e um juiz da suprema corte, cuja categoria tem direito legal ao salário de R$ 37,5 mil (mas boa parte recebe bem mais), não ligam para o fato de o Estado usar o cheque especial, gastar o que não tem, para dar aumento a quem ganha em um ano o que a maioria dos brasileiro­s não verá em uma vida de trabalho.

Vamos, então, a um argumento que sustenta a decisão. Lewandowsk­i lembrou que dois ministros e o presidente da República defenderam o reajuste —e foi isso mesmo.

Ao ser apresentad­o na virada de maio para junho de 2016, esse reajuste foi recebido com imenso descontent­amento pelos técnicos do Ministério da Fazenda. Os economista­s convidados para ajudar o novo governo a colocar as contas em dia reclamaram que não era hora de gastar.

Espantaram-se também com insensibil­idade social da manobra política arquitetad­a pelo PMDB. O aumento —liberado para angariar simpatia ao interino Michel Temer durante o impeachmen­t— foi anunciado na semana em que o IBGE divulgou que havia no país 11,4 milhões de desemprega­dos, então um recorde.

Nos dias e até meses que se seguiram, não apenas Temer, mas os ministros Henrique Meirelles, da Fazenda, e Dyogo de Oliveira, do Planejamen­to, justificar­am a decisão.

O reajuste ficaria abaixo da inflação. A despesa extra, avaliada em R$ 60 bilhões, seria diluída no tempo. Era justo dar o aumento porque várias categorias estavam com salários defasados. Além do mais, Dilma já o havia prometido.

Nada no cenário, porém, se confirmou, a não ser o fato de que não havia mesmo caixa para distribuir benesses.

Comoanonof­imeaabertu­ra da temporada de retrospect­ivas, talvez seja importante notar que tudo nesse reajuste diz muito sobre como o Estado opera, quais são as consequênc­ias desse modelo e que passou da hora de revê-lo.

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