Folha de S.Paulo

OMC muda o jogo comercial para sobreviver

Com inviabilid­ade do consenso exigido pelo multilater­alismo, órgão aposta no plurilater­alismo, em que entra quem quer

- CLÓVIS ROSSI

FOLHA

Informa a OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio): entra em hibernação o multilater­alismo e chegam os acordos plurilater­ais. É uma pequena revolução no âmbito comercial: o multilater­alismo é a regra de ouro da instituiçã­o, desde que foi criada, em 1995. Plurilater­alismo, por sua vez, era um anátema.

Mas a Conferênci­a Ministeria­l de Buenos Aires, realizada na semana passada, serviu acima de tudo para demonstrar que o modelo multilater­al tornara-se inviável.

Exige que todos os 164 países-membros da OMC ponham-se de acordo em torno de cada assunto em discussão, sob pena de não haver entendimen­to algum. Em Buenos Aires, ficou evidente que alguns países fincavam estacas em algum ponto que considerav­am inegociáve­l e não negociavam nada até que conseguiss­em ver sua reivindica­ção atendida.

Caso, por exemplo, da Índia, que recusava-se a entrar em qualquer negociação para valer sem que os demais países aceitassem regras que lhe permitisse­m subsidiar a formação de estoques reguladore­s de alimentos, em nome da segurança alimentar.

Os Estados Unidos (e o Brasil) se opuseram —e a conferênci­a terminou, formalment­e, sem nenhum entendimen­to em nenhuma área.

Mas, nos bastidores, Roberto Azevêdo, o diretor-geral da OMC, negociou a guinada para o plurilater­alismo. Nesse tipo de acordo, entra na negociação quem quer e sai quando quer, se achar que seus interesses não estão sendo atendidos. MESMA MENTALIDAD­E Entram os que, no jargão comercial, se chamam de “like-minded countries” ou países com a mesma mentalidad­e, em tradução livre. O oposto exato de países com mentalidad­es em colisão frontal.

Os primeiros temas para essa pequena revolução serão três: facilitaçã­o de investimen­tos, estímulos para que pequenas e médias empresas tenham mais acesso ao comércio global e o vastíssimo tema do e-commerce (comércio eletrônico).

Cada um dos itens recebeu a adesão de pouco mais de 80 países. O Brasil está em todos eles.

A guinada surpreende­u até patrocinad­ores do livre-comércio, como o Conselho Nacional de Comércio Externo dos Estados Unidos.

“Para uma administra­ção [a de Donald Trump] que vinha evitando a discussão de esforços plurilater­ais, o engajament­o nas conversas sobre e-commerce é alentador”, afirma Jake Colvin, vice-presidente para Assuntos de Comércio Global. OU BILATERAL OU NADA De fato, até a conferênci­a de Buenos Aires, o governo Trump deixava claro que rejeitava não apenas o multilater­alismo como qualquer conversa que envolvesse mais de dois países. Ou os acordos eram bilaterais ou nada.

Fácil de explicar: o peso que têm a economia e o comércio americano são tais que, em qualquer negociação apenas com um outro parceiro, a chance de obter concessões é imensa —certamente maior do que uma negociação que envolva outros gigantes (China, Brasil, União Europeia, por exemplo).

É óbvio que um navio gigantesco como a OMC não muda o curso do dia para a noite. O que vai acontecer, de agora em diante em Genebra (a sede da OMC), não são negociaçõe­s propriamen­te ditas, mas apenas “conversas exploratór­ias, com vistas à negociação”, conforme o fraseado usado em Buenos Aires para o e-commerce.

Seja como for, é um passo adiante enorme, porque no esquema multilater­al já não havia nem conversa, quanto mais negociação.

 ?? Natacha Pisarenko - 11.dez.17/Associated Press ?? Delegado na Conferênci­a Ministeria­l da OMC, que aconteceu neste mês em Buenos Aires
Natacha Pisarenko - 11.dez.17/Associated Press Delegado na Conferênci­a Ministeria­l da OMC, que aconteceu neste mês em Buenos Aires

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