Folha de S.Paulo

Tudo errado

Liminar de ministro do STF mantém reajustes salariais para o funcionali­smo, que Temer concedeu de modo irresponsá­vel e tenta adiar

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O governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva tinha notória afinidade com os sindicatos do funcionali­smo, demonstrad­a em generosos reajustes salariais. Ainda assim, tomava certas precauções quanto ao impacto de tais medidas nas finanças públicas.

Em medida provisória editada em 2008, estabelece­u que a concessão de diversas vantagens prometidas aos servidores para os anos seguintes estaria “condiciona­da à existência de disponibil­idade orçamentár­ia e financeira para a realização da despesa”.

É verdade que o dispositiv­o se tornou letra morta já em 2009, quando a crise econômica global derrubou a arrecadaçã­o sem, no entanto, ter impedido a distribuiç­ão das benesses. De todo modo, o Planalto contava com alguma salvaguard­a legal para postergála, se assim decidisse.

Mais irresponsá­vel se mostrou a gestão de Michel Temer (PMDB) —que, em plena recessão e ruína das contas federais, apressou-se em distribuir aos três Poderes aumentos salariais parcelados até 2019, que mereceram a alegre aprovação de deputados e senadores.

Alegou-se, no ano passado, que os novos vencimento­s já haviam sido negociados pela administra­ção petista, antes do impeachmen­t de Dilma Rousseff. Acrescento­u o ministro Dyogo Oliveira, do Planejamen­to, que as metas de ajuste orçamentár­io não estariam ameaçadas.

Todo esse arrazoado logo caiu por terra. Diante da dificuldad­e em limitar o deficit do Tesouro Nacional a já gigantesco­s R$ 159 bilhões (sem contar os encargos da dívida), o governo baixou MP em 30 de outubro passado para adiar reajustes programado­s para 2018.

A dispendios­a trapalhada se completa agora com a liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowsk­i, do Supremo Tribunal Federal, suspendend­o os efeitos da medida provisória —que também elevou de 11% para 14% a alíquota da contribuiç­ão previdenci­ária dos funcionári­os da União.

Ainda que se veja solidez jurídica na decisão, de resto provisória, é inegável que o Judiciário como um todo tem se comportado como se as restrições financeira­s do Estado não lhe dissessem respeito.

A defesa contumaz de privilégio­s, dos supersalár­ios às superapose­ntadorias, sem dúvida arranha sua credibilid­ade no trato de questões corporativ­as.

Fato é que se abriu uma incerteza de R$ 6,6 bilhões nas contas já depauperad­as do próximo ano. A prevalecer a sentença de Lewandowsk­i, o buraco terá de ser coberto com endividame­nto público, aumento de impostos ou corte de despesas —provavelme­nte mais prioritári­as que elevar a remuneraçã­o de parte da elite nacional. BRASÍLIA -

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