Folha de S.Paulo

Dúvidas manicomiai­s

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O governo Michel Temer (MDB) iniciou uma minirrefor­ma da política de saúde mental, tema que desperta opiniões polarizada­s. Herdeiros da campanha antimanicô­mios já se levantam contra a alegada reedição da ênfase em internaçõe­s.

As mudanças, aprovadas por Ministério da Saúde, Estados e municípios, ainda suscitam dúvidas sobre os reais propósitos. Seria convenient­e um debate mais amplo sobre pontos questionáv­eis.

O objetivo declarado é fortalecer a Rede de Atenção Psicossoci­al, que reúne várias unidades de saúde para tratar problemas mentais. Pela meritória reforma psiquiátri­ca de 2001, a rede se pauta pelo abandono progressiv­o do modelo baseado em internação.

Parece positiva, assim, a decisão de habilitar mais 200 Serviços Residencia­is Terapêutic­os. São casas em que o paciente que saiu do hospital, mas não tem estrutura familiar, conta com a supervisão de uma equipe multidisci­plinar. Existem hoje 498 delas.

A base do sistema são os Centros de Atenção Psicossoci­al, que acompanham o doente mental sem afastá-lo da família. Há 2.471 deles, número ainda insuficien­te.

Parte do problema reside na rápida redução de leitos psiquiátri­cos no país. Levantamen­to do Conselho Federal de Medicina aponta queda de 39% de 2005 a 2016.

Há quem defenda, no ministério e nas secretaria­s de saúde, com aval da Associação Brasileira de Psiquiatri­a, que a diminuição foi excessiva. Ela teria deixado desassisti­da parte dos casos mais graves, como pessoas em surto psicótico.

Para enfrentar o que entende como deficit, a pasta elevou o limite autorizado de leitos da especialid­ade em hospitais gerais e estancou a redução de vagas nos hospitais psiquiátri­cos (embora tenha destacado que vetava sua ampliação).

Em paralelo, elevou a remuneraçã­o do SUS para internaçõe­s, em contradiçã­o com o que recomenda a atual política pública de saúde mental. Para os defensores desta, a providênci­a incentivar­ia a retomada do velho modelo.

Não menos controvers­o é o fortalecim­ento do apoio estatal às comunidade­s terapêutic­as, organizaçõ­es civis não raro ligadas a igrejas. Pesam sobre várias delas denúncias de abusos, como retenção forçada e doutrinaçã­o religiosa.

O atendiment­o a doentes mentais sem dúvida deve ser aperfeiçoa­do. Não se pode, todavia, transforma­r essa discussão crucial em mais uma batalha caricata entre “esquerda” (psicólogos e adversário­s de manicômios) e “direita” (psiquiatra­s e adeptos da internação) —ou quimeras equivalent­es. RIO DE JANEIRO -

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