Folha de S.Paulo

ANÁLISE Milionário, ex-prefeito levou estilo ‘rouba, mas faz’ a nova escala

- MARIO CESAR CARVALHO

Quando tinha 20 anos, Paulo Maluf costumava ir para a Escola Politécnic­a da USP com motorista particular num Rolls Royce, um carro inglês feito a mão que se tornou símbolo da realeza. O veículo de sua mãe era um dos dois Rolls Royce que havia no Brasil dos anos 1950 —o outro era da Presidênci­a da República.

O próprio Maluf contava essa história para ilustrar por que não precisava roubar, termo que ele usava para designar desvios de verbas públicas. Sua família tinha ficado milionária com negócios com madeira, ele morava no Jardim Europa e passava férias em Paris, Londres ou Suíça.

Se não precisava, por que desviou US$ 172 milhões numa só obra, a da avenida Roberto Marinho, segundo a condenação aplicada pela Justiça? O valor equivale hoje a R$ 567 milhões.

Maluf começou na vida pública em 1967 como antipolíti­co. Foi indicado presidente da Caixa por Delfim Netto, ministro da Fazenda à época da ditadura.

No seu primeiro cargo político, como prefeito de São Paulo (1969-1971), continuou a seguir a cartilha de tecnocrata da ditadura ao priorizar grandes obras, como a Marginal Pinheiros e o Minhocão.

A guinada para o figurino que iria consagrá-lo como o político que ficaria conhecido pelo slogan “rouba, mas faz” começou a se consolidar em 1977, quando iniciou a campanha para chegar ao governo paulista por meio de eleição indireta.

Maluf visitou os 1.261 delegados do Estado que votariam na convenção da Arena, o partido de apoio à ditadura, e ganhou a disputa em 1979 contra Laudo Natel. O perdedor acusou-o de comprar os delegados, mas os generais não lhe deram ouvidos. Foi nessa disputa que nasceu o político obcecado por grandes obras e gestos populistas. E sempre vinculado a desvios.

Os eleitores paulistas adoraram o novo estilo. Maluf tinha ao menos dois antecessor­es ilustres —Adhemar de Barros (1901-1969) e Jânio Quadros (1917-1992)— e uma ambição que fazia essa dupla parecer aprendiz.

Foi essa ambição que levou Maluf a cometer crimes em três países (Estados Unidos, Suíça e França) e num paraíso fiscal britânico (Ilhas Jersey), segundo a Justiça.

Adhemar escondia dinheiro num cofre na casa da amante no Rio. Tinha US$ 2,4 milhões quando foi roubado por guerrilhei­ros em 1969. Só para guardar o valor desviado na avenida Roberto Marinho, Maluf precisaria de 71 cofres iguais ao do Adhemar.

“Mindhunter”, o seriado sobre a criação da unidade de perfil psicológic­o de criminosos seriais do FBI nos anos 1970, traz algumas pistas sobre por que milionário­s como Maluf cometem crimes.

A psicóloga Ann Wolbert Burgess, uma pesquisado­ra de Boston retratada na série, diz que criminosos de colarinho branco são como criminosos seriais: não sentem culpa, remorso ou arrependim­ento.

O Brasil acrescenta um ingredient­e a essa hipótese da psicóloga: a impunidade. O caso que levou Maluf à prisão ocorreu há 21 anos, na sua segunda passagem pela Prefeitura de São Paulo (1993-1996).

A certeza de que não será apanhado é o maior incentivo para o crime, segundo especialis­tas. Maluf deu o azar de chegar aos 86 anos numa guinada do Judiciário.

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