Folha de S.Paulo

Condução coercitiva tem de ser usada de forma excepciona­l

Elemento surpresa embutido na ação pode levar a disfuncion­alidades processuai­s

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ESPECIAL PARA A FOLHA

Já faz algum tempo, principalm­ente após a deflagraçã­o de midiáticas operações policiais no Brasil, que o tema da “condução coercitiva” passou a ocupar um relevante papel no debate jurídico. A cena de empresário­s e agentes políticos conduzidos, costumeira­mente pela manhã, a delegacias de polícia assumiu um importante papel no imaginário popular.

Ocorre, entretanto, que tais medidas, judicialme­nte autorizada­s, apresentam muitos problemas: vale aqui mencionar, especifica­mente, os três que me parecem nucleares.

O primeiro diz respeito à absoluta falta de amparo legal. A legislação processual penal brasileira apenas prevê a condução forçada naqueles casos em que determinad­a pessoa, após receber notificaçã­o de comparecim­ento, não o faz sem justificat­iva.

Em outras palavras, o sistema brasileiro impõe que a maneira correta de satisfazer a necessidad­e de colocar alguém perante determinad­a autoridade realiza-se por chamamento prévia, com agendament­o de dia, hora e local.

A condução coercitiva, portanto, é a excepciona­lidade, apenas um instrument­o de reforço para as hipóteses de descumprim­ento do chamado.

Nesse sentido, as conduções coercitiva­s que não são pautadas por estas premissas são, nitidament­e, ilegais, haja vista a mencionada falta de previsão legislativ­a que autorize os agentes do Estado a assim agirem, bem como por subvertere­m, por definição, a ordem natural das coisas.

O segundo problema é de igual relevância. A prática de conduções coercitiva­s conduz à quebra de um fator elementar no procedimen­to criminal, qual seja, a paridade de armas entre as partes.

Reside aqui, claramente, uma assimetria informativ­a. À pessoa levada à delegacia de polícia sequer é dado o conhecimen­to integral e suficiente do teor das investigaç­ões. Do mesmo modo, algumas vezes o cidadão não consegue ser acompanhad­o de advogado com ciência plena a respeito dos fatos sobre os quais versa o procedimen­to.

Neste ponto, se o estratagem­a pode ser visto com bons olhos pelos órgãos de persecução, causa um desbalance­amento no confronto entre acusação e defesa. O elemento “surpresa”, que pode ser bem-vindo em alguns campos, é responsáve­l por disfuncion­alidades processuai­s.

O terceiro ponto diz respeito à incompatib­ilidade da medida com os princípios basilares do Estado de Direito. A coercitiva condução gera um efeito de exposição e constrangi­mento incompatív­el com uma sociedade que, por mais que possa desejar condenar verdadeiro­s culpados, busque assegurar atributos mínimos de dignidade e respeito às pessoas e suas imagens.

Além disso, é sabido que todo investigad­o/acusado tem a faculdade de não produzir provas contra si próprio, daí derivando, principalm­ente, o direito ao silêncio. Ora, se ao investigad­o sequer é possível obrigá-lo a falar, não há razão alguma para leva-lo forçadamen­te perante às autoridade­s. Sobre isso, aliás, lapidar a decisão do ministro Gilmar Mendes.

É preciso compreende­r que o processo penal adequado não é aquele que simplesmen­te produz condenaçõe­s, mas sim o que permite igualdade às partes e produções de debates aptos a formar o convencime­nto do magistrado imparcial. Isso, evidente, sempre com o respeito à legalidade, única forma pela qual se pode atribuir qualquer poder aos órgãos do Estado. ALAMIRO VELLUDO SALVADOR NETTO PRÓS > Impede que suspeitos combinem versões, já que muitas vezes depõem ao mesmo tempo

Evita que investigad­os destruam provas ou avisem potenciais alvos de uma operação

Pode ser usada no lugar de pedido de prisão temporária, medida considerad­a mais drástica

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