Folha de S.Paulo

Reforma tributária americana vai impactar profundame­nte o Brasil

- DAN IOSCHPE GUSTAVO CARMONA SANCHES

Em sua primeira grande vitória legislativ­a em quase um ano de mandato, o presidente dos EUA, Donald Trump, conseguiu aprovar nesta quarta (20) sua proposta de reforma tributária, algo inédito no país em três décadas.

O plano, que segundo especialis­tas pode levar a uma perda de até US$ 1 trilhão em arrecadaçã­o para o governo federal, pretende estimular a economia por meio do corte de impostos, mas tem sido criticado por beneficiar principalm­ente as empresas e os cidadãos mais ricos.

A votação final foi concluída por volta das 13h (16h de Brasília), na Câmara. Os deputados já haviam aprovado a lei na terça (19), mas tiveram que votá-la novamente depois de uma mudança no texto no Senado, na madrugada desta quarta.

A lei passou por 224 a 201 votos na Câmara nesta quarta, com 12 governista­s votando contra, e 51 a 48 no Senado (houve uma abstenção).

“É uma vitória histórica para o povo americano”, declarou Trump, para quem a lei trará “um tremendo alívio para a classe média”, após a aprovação.

“Trata-se acima de tudo de empregos”, afirmou. Mais cedo, em um de seus canais oficiais na internet, o presidente disse que “o resultado [da reforma] falará por si”.

A votação representa uma vitória significat­iva para Trump e para os republican­os depois de terem fracassado ao tentar derrubar o Obamacare (a reforma no sistema de saúde implementa­da por Barack Obama) e verem a maioria republican­a no Senado diminuir com a eleição de um democrata no Alabama para a vaga do secretário da Justiça, Jeff Sessions, na semana passada.

Em clima de comemoraçã­o, congressis­tas republican­os rumaram de ônibus para a Casa Branca após a votação, onde foram recebidos por Trump no gramado. Um palanque foi montado, e o presidente e outros 11 líderes do partido discursara­m, em meio a exclamaçõe­s de “bom trabalho”, “amamos você” e “feliz Natal”.

“Tentaram com [Ronald] Reagan, com os Bush [pai e filho]. Mas nós conseguimo­s [aprovar a reforma]”, declarou Trump, que foi chamado de “líder extraordin­ário” pelos colegas —numa indicação de, se não uma lua de mel, ao menos uma trégua do partido com o presidente após uma série de atritos. POLÊMICA Trump, que pretende sancionar a lei até o fim desta semana, tem chamado a reforma de “presente de Natal” para os americanos, apesar das críticas ao projeto.

A maioria dos cidadãos pagará menos impostos no ano que vem, mas os cortes são temporário­s, até 2025. Depois, as alíquotas subirão.

A principal medida é a redução do imposto de renda para empresas, cuja alíquota cai de 35% para 21%.

O governo Trump defende que o projeto irá estimular a economia, criando mais empregos e gerando mais renda ao americano de classe média. “Estamos trazendo o empreended­orismo de volta para o país. Isso significa empregos, empregos, empregos”, discursou o presidente após a aprovação.

Nesse sentido, a proposta vai ao encontro do que Trump prometeu na campanha: atrair empresas para o país, segurar empregos e melhorar a competitiv­idade dos Estados Unidos em comparação a rivais comerciais.

Há dúvidas, porém, sobre até que ponto as mudanças tributária­s podem melhorar a economia. Para democratas, por exemplo, a proposta aumentará a dívida pública, ao retirar dinheiro do orçamento, compromete­rá o sistema de saúde e beneficiar­á prioritari­amente corporaçõe­s e milionário­s, que não necessaria­mente criarão mais empregos com o corte de impostos.

No Brasil, analistas temem que a reforma possa afastar investimen­tos do país (leia texto nesta página).

FOLHA

A reforma tributária nos EUA traz modificaçõ­es profundas ao sistema tributário americano e implicaçõe­s para todo o sistema global. O Brasil precisa estar atento, pois deve ficar isolado e ser um dos países mais negativame­nte impactados por ela.

O eixo central da proposta de reforma é a redução da alíquota de imposto de renda para as empresas, de 35% para 21%, a ser aplicável já a partir de 2018. Essa redução é uma tendência mundial, e os EUA eram, até então, um dos poucos entre as economias de maior relevância a manter a alíquota desse tributo em patamar acima dos 30%.

Estudo elaborado pela EY a pedido do Fórum das Empresas Transnacio­nais Brasileira­s (FET) mostrou que 83% entre 202 jurisdiçõe­s (em 193 países) possuem alíquotas de imposto de renda para empresas em patamar abaixo de 30%. Entre os membros da OCDE (Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico), a média da alíquota deste imposto caiu significat­ivamente, de 32,5% em 2000 para 24,2% em 2016.

Nesse mesmo período, a França está reduzindo sua alíquota de 34% para 25% (até 2022), a Alemanha diminuiu de 50% para 30%, o México de 35% para 30%, a Coreia do Sul de 31% para 24%, o Reino Unido de 30% para 17% (até 2020). A Argentina, país parceiro do Brasil e membro do Mercosul, discute neste momento reforma que também visa a redução de 35% para 25% até 2020.

O que se nota é um alinhament­o das políticas tributária­s entre os países visando manter a competitiv­idade. Com a redução da alíquota e revisão das regras dos EUA, o Brasil ficará praticamen­te isolado entre as maiores economias mundiais com patamar de imposto de renda para as empresas acima de 30%.

Ainda que o Brasil se beneficie de muitos atributos, essa alta tributação exerce impacto negativo relevante na atração de investimen­tos externos e, consequent­emente, na geração de empregos e no aumento da produtivid­ade.

Mas a alta tributação não afeta somente os investimen­tos estrangeir­os no Brasil, afeta também as próprias multinacio­nais brasileira­s. A internacio­nalização não é mais algo distante ou, em muitos casos, nem sequer uma opção. Para muitas empresas brasileira­s, investir fora é necessidad­e de mercado.

Com os EUA passando a adotar o princípio da territoria­lidade, com regras mais favoráveis, o Brasil ficará também isolado entre as maiores economias na tributação dos lucros de suas multinacio­nais no exterior.

O Brasil sujeita os lucros auferidos pelas suas empresas no exterior ao imposto de 34%, independen­temente de distribuiç­ão de lucros, o que dificulta a internacio­nalização e coloca as multinacio­nais brasileira­s em situação mais gravosa comparadas aos seus concorrent­es. DAN IOSCHPE GUSTAVO CARMONA SANCHES

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