Justiça veta aprovados no Rio Branco por uso indevido de cota racial
Quatro dos seis aprovados em vagas reservadas para negros são acusados de fraudarem autodeclaração
Para juiz, posse destes aspirantes a diplomatas é ‘iniquidade’ contra quem cumpre regra; eles podem recorrer
A Justiça Federal de Brasília vetou o ingresso de quatro candidatos aprovados no concurso do Instituto Rio Branco de admissão à carreira de diplomata por considerar que fraudaram o sistema de cotas para negros.
Outros dois foram impedidos preventivamente porque, sem nota suficiente, podem obter revisão de suas avaliações judicialmente.
Em decisão à qual a Folha teve acesso, o juiz auxiliar Ed Lyra Leal, da 22ª Vara do Distrito Federal, determinou “a suspensão dos atos subsequentes do certame em face dos candidatos sobre os quais subsiste dúvida acerca da qualificação legal para fins da ação afirmativa”.
O magistrado considerou na liminar proferida na terça (19) que “o ingresso de candidatos desprovidos da qualificação legal representaria patente iniquidade perpetrada contra candidatos aprovados no concurso que preenchem o requisito da cota”.
A Justiça ainda vai julgar o mérito da ação, e os candidatos poderão recorrer.
A medida é resultado de uma ação do Ministério Público Federal que questiona as justificativas dos concorrentes pelo sistema de cotas e também o processo do Itamaraty para verificar a procedência da autodeclaração.
Isso porque uma primeira comissão recusou a autodeclaração dos candidatos, mas depois eles foram aprovados pelo colegiado recursal.
O Ministério Público questionou, e o juiz concordou que a comissão de revisão não é transparente quantos aos critérios de suas decisões.
“A comissão de recursos não encontra disciplina mínima no edital que confira aos candidatos e ao público em geral a oportunidade de conhecer a origem e a qualificação profissional de seus membros, bem assim os métodos e critérios para a revisão das decisões exaradas pela comissão”, anotou o juiz.
Uma das barradas, Rebeca Silva Mello, entrou com agravo no Tribunal Regional Federal. Seu pai, Magno Antonio Correia de Melo, consultor legislativo na Câmara e seu defensor na ação, alega que o colegiado recursal é legítimo para julgar.
Os membros, ele apontou, são o primeiro embaixador negro do Brasil, Benedicto Fonseca Filho, o embaixador Silvio José Albuquerque e Silva, integrante do comitê para eliminação de discriminação racial da ONU, e a diplomata Vanessa Dolce de Faria.
“Nenhum dos três tem interesse em compactuar com fraude de cotas”, disse o consultor, que ainda criticou a subjetividade da ação.
“A minha filha é parda, não é preta, depende de exposição ao sol para ficar com a pele mais escura. A procuradora quer que minha filha não vá à praia nem tome sol para poder fugir do preconceito?” JUSTIFICATIVAS ídos nas cotas estão a ascendência africana, a condição socioeconômica e inclusões anteriores em sistemas de cotas.
O MPF contestou as justificativas, alegando que, “para a lei nº 12.990/2014 e para o presente certame, o critério adotado deve ser o fenótipo”.
Uma das candidatas, anotou a procuradora que assina a peça, “limitou-se a descrever situações de discriminação que hipoteticamente teria sofrido ao longo de sua vida”.
“Os relatos são pouco criveis diante da aparência da candidata, que em nada se assemelha com as pessoas negras que são as reais destinatárias da política”, afirmou a procuradora Anna Carolina Resende Maia Garcia.
Outro candidato não se declarou negro no concurso anterior que prestou, mas desta vez mudou de ideia. Ele passou na ampla concorrência, e não como cotista, mas foi impedido de tomar posse por falsa declaração.
O concurso do Instituto Rio Branco tem 30 vagas, das quais seis são destinadas a cotistas. Para o MPF, “o direito às cotas [...] só é devido àqueles que sofreram e ainda sofrem no seu cotidiano o preconceito advindo exclusivamente da questão racial, simplesmente por ostentarem pele escura e outros traços fenotípicos dos negros”.
Com a possível revisão da das cotas em 2024, o MPF atenta para necessidade de critérios rigorosos na avaliação.
“Se continuarmos a ser condescendentes com a pretensão de muitos candidatos de concorrerem às vagas dos negros simplesmente porque não são brancos, de cabelo liso e olhos claros, estaremos desvirtuando completamente o objetivo da política pública e, pior, criando um privilégio a um grupo de pessoas, os pardos claros, sem qualquer respaldo principiológico, o que fere diretamente o art. 5º da Constituição.”