Folha de S.Paulo

A corrida das desigualda­des

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

NA PRIMEIRA grande vitória do governo Trump, o Congresso americano aprovou nesta quarta-feira (20) um pacote de redução de impostos de US$ 1,5 trilhão, que causará a maior mudança no sistema tributário feita no país desde 1986. “Essa é uma das peças legislativ­as mais importante­s que esse Congresso passou em décadas (...) Esse é um bom dia para os trabalhado­res... e um ótimo dia para o cresciment­o”, celebrou o republican­o Paul Ryan, presidente da Câmara dos Representa­ntes.

Em relatório publicado na segunda-feira (18), o Tax Policy Center concluiu que, em um primeiro momento, a reforma reduzirá impostos para todas as faixas de renda, elevando a renda disponível média em 2,2% em 2018. Mas, para cumprir os requisitos legais associados ao impacto neutro do plano sobre as contas públicas, essa redução terá de ser cada vez menor ao longo do tempo, chegando a apenas 0,2% em 2027.

Ao longo de todo esse período, a distribuiç­ão dos ganhos não será nada igualitári­a. Enquanto a redução de impostos para os contribuin­tes da base da pirâmide (20% mais pobres) será em média de 0,4% da sua renda em 2018, os 20% mais ricos pagarão 2,9% da sua renda a menos em tributação. Entre esses, o maior ganho será dos contribuin­tes situados entre os 95% e os 99% mais ricos, que pagarão 4,1% da renda a menos em impostos. O 1% mais rico, por sua vez, reduzirá sua contribuiç­ão em 3,4% da renda inicialmen­te.

Em 2027, os contribuin­tes da base e do meio da pirâmide já estariam pagando o mesmo em impostos do que pagam hoje ou até um pouco mais, em média. Já os contribuin­tes no 1% mais rico continuari­am pagando 0,9% da sua renda a menos em tributação, de modo que responderi­am por 83% do benefício total concedido naquele ano.

Além disso, uma análise da Comissão Mista de Tributação do Congresso projetou que, mesmo levando em conta o potencial estímulo ao cresciment­o econômico, o plano irá acarretar um aumento substancia­l do deficit do governo americano na próxima década. Possivelme­nte, o ajuste se dará com uma redução nas despesas com Medicare, Medicaid e outros itens que compõem a frágil rede de proteção social do país.

Não é à toa, portanto, que, na contramão do que sugeriu Paul Ryan em suas declaraçõe­s, uma pesquisa de opinião divulgada pela CNN na terça-feira (19) indicou que 66% dos americanos acreditam que o plano beneficiar­á mais os mais ricos do que a classe média.

A aprovação do plano veio menos de uma semana depois da publicação do “World Inequality Report”, por Thomas Piketty, Emmanuel Saez e demais pesquisado­res da World Wealth and Income Database. O relatório mostrou, por exemplo, que desde a eleição de Ronald Reagan nos Estados Unidos, em 1980, os 50% mais pobres se apropriara­m de apenas 3% do cresciment­o econômico acumulado no país.

Como mostra um dos cenários das projeções apresentad­as no fim do estudo, mesmo com o cresciment­o maior da renda em países como China e Índia, se todos os países reproduzir­em a trajetória de aumento da desigualda­de observada nos EUA desde 1980, o 1% mais rico da população mundial aumentaria sua parcela da renda global em oito pontos percentuai­s até 2050.

Ou seja, se o mundo seguir o péssimo exemplo dos Estados Unidos nas próximas décadas, o 1% mais rico se apropriará de 28% da renda global. A título de referência, essa é a parcela apropriada atualmente pelo 1% mais rico no país com maior concentraç­ão de renda nessa faixa entre os que constam do relatório: o Brasil.

Se o mundo seguir o exemplo dos EUA, o 1% mais rico se apropriará de 28% da renda global

LAURA CARVALHO,

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil