Folha de S.Paulo

Meta é não deixar nenhuma criança para trás

- VINICIUS TORRES FREIRE

COLUNISTA DA FOLHA

É raro encontrar quem morra de amores pela Base Nacional Curricular Comum. Mas são poucos aqueles que a reprovam sem conceder chance de recuperaçã­o.

Na média talvez uma nota 6,5, esse inédito programa unificado para as escolas de todo o país parece suficiente para o que se propõe. Isto é, uma régua e um calendário para pautar e medir o progresso dos estudantes.

Para o bem ou para o mal, por si só a base não é capaz de criar ou resolver problemas na sala de aula.

Quem acompanha o caso da base já deve ter ouvido o lugar comum de que “o problema é sua implementa­ção”.

Soa como se estivéssem­os lidando com apenas mais um dos dramas da educação das crianças. Não é o caso. A base será instrument­o e motivação de uma grande reforma do ensino ou não será quase nada além de um novo padrão para medir fracassos.

Por quê? Uma educação melhor vai exigir que se refaçam os materiais didáticos, o treinament­o dos professore­s em atividade, a formação docente e as avaliações nacionais. Ou seja, tudo o que mal conseguimo­s fazer até agora. A base não pode resolver nada disso.

O objetivo final de um programa como a base é não deixar nenhuma criança para trás, por assim dizer.

É uma espécie de carta de direitos, um mínimo de formação a que todos os estudantes teriam direito. Mas não diz como se deve ensinar, com quais ajustes locais nem com quais recursos.

Cada Estado e cidade deve elaborar seu currículo (a parte do “como” ensinar e os detalhes do “quê”). Cada escola, como deveria ser de costume, vai decidir como desenvolve­r os assuntos, até que se chegue a um plano de aula.

Quantas das 5.570 cidades brasileira­s têm pessoal qualificad­o e organizaçã­o administra­tiva bastantes para elaborar bons currículos? É possível deslocar missões para auxiliá-las ou seria convenient­e formar consórcios regionais, com apoio dos Estados? Quem vai pagar?

Professore­s dependem de livros didáticos para dar forma a seus cursos, isso quando não é ali que aprendem a matéria a ser ensinada.

Em geral, editoras privadas fazem os livros e tentam ganhar a preferênci­a de governos e professore­s.

Haverá diretrizes mais específica­s a fim de evitar que as empresas e escritores didáticos errem muito o alvo? LIVROS Pode-se imaginar a hipótese de que os livros sejam tão diferentes que a base curricular comum se desfaça, na prática. É bom ressaltar que, quanto mais fraca a formação do professora­do, nosso caso, maior é a influência do livro didático no que vai ser ensinado. Além do mais, haverá custos renovados: livros novos, ainda mais em caso de reposição total do material em uso, custam.

Quem já viu salas de aula sabe quão chocantes podem ser as diferenças de alunos mesmo de bairros diferentes, que dirá de regiões do país.

O objetivo da base é servir de meio para que se passe um trator nas diferenças indesejada­s. Quanto mais despossuíd­a uma escola ou região, obviamente maior a necessidad­e de materiais adicionais, acompanham­ento mais próximo de problemas e resultados, professora­do mais assistido. Qual é o plano para se dar um jeito nisso?

Tais problemas e o retreiname­nto dos professore­s são assuntos estaduais e municipais, em tese. Muitos Estados estão mais quebrados que o governo federal. Vai haver coordenaçã­o nacional? Além do mais, dado que em tese haverá requalific­ação, conviria um esforço pragmático de melhorar as técnicas didáticas, um conhecido buraco na formação pedagógica. CONTEÚDO Quanto ao texto mesmo da base, é impossível tratar de tantas disciplina­s e 1.800 assuntos a serem ensinados. Esta quarta versão parece ser a mais clara e concisa, embora desigual. O programa parece extenso, tanto quanto nos anos 1980 ou 2000.

Se a extensão não é um problema, certamente não ajuda e, desde que me entendo por gente até agora, os currículos raramente são cumpridos. Pior, estudantes saem de faculdades com problemas para usar equações de primeiro grau, não sabem explicar as estações do ano e escrevem esse português medonho que se pode ler em redes sociais, problemas do ensino fundamenta­l. De qualquer modo, países bem-sucedidos, como a Austrália, têm currículos muito mais enxutos; mesmo a França deixou de ser enciclopéd­ica.

Ritmo e métodos de alfabetiza­ção parecem confusos na base, embora este jornalista seja apenas um leigo com alguma experiênci­a de sala de aula, de jornalismo de educação e pai interessad­o na educação de Sofia, 20, pedagoga em formação, e Manuel, 5, nas primeiras letras.

Há polêmicas sobre a velocidade da alfabetiza­ção (em um ano? Em dois, como quer a base? Três, para visões mais alternativ­as?). Há críticas acirradas ao método implícito de alfabetiza­ção da base (como a organizada pelo Instituto Alfa e Beto, mas não só).

Ainda assim, não parece um problema que não possa ser resolvido nas redes de educação. Mas é um problema, o principal. No terceiro ano, quase um quarto das crianças não sabe ler ou escrever o mínimo exigido nas provas nacionais.

Quase qualquer base é melhor do que nenhuma, enfim. Parece que temos agora pelo menos uma régua útil e uma Constituiç­ão dos direitos mínimos da educação. Mas de leis o país está cheio, como se sabe.

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Diego Padgurschi - 27.mar.2017/Folhapress Alunos de colégio em São Paulo aprendem a escrever; base curricular nacional foi homologada nesta quarta-feira (20)

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