Folha de S.Paulo

Molhado e unhas enormes, vermelhas. O cabelo era meu mesmo.

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Eu não gosto de dar entrevista. Sou uma pessoa muito simples. Mas se você for falar sobre as outras pessoas que convivem na rua, dos artistas, podemos falar, sim.

Eu sou um artista. Isso [aponta para o rosto] é arte. Eu sou bonito. Já fui mais. Na época que meu rosto era mais ‘pra frente’. Mais cheio, sabe?

Eu tinha um namorado, o Vagner, e a gente queria parecer bonecas de porcelana chinesas. A gente ‘bombava’ [injetava] silicone um no outro. Era silicone médico mesmo, coisa fina. Comprava seringa na farmácia, tudo certinho. Gastei milhares de dólares com cremes, perfumes, produtos. Fiz seis plásticas. Ou foram sete? Hoje em dia eu prefiro ser mais frugal. Um perfume ou outro só, mas sem esmalte. Quero o [perfume] J’Adore, da Dior. Mas a gente fala disso outra hora.

Fui também cabeleirei­ro. Cortei muito cabelo. Uma vez, fiz uma cascata de luzes que ia do ‘blonde cuivré’ [tom claro de loiro] a um castanho quase escuro. Levou oito horas. Trabalhei em muito salão bom. Shirley’s [no Campo Belo], Casarão [na Bela Vista], tive salões. Tive meu próprio salão em Araraquara e na Ana Rosa.

Roubaram tudo o que eu tinha, foi um menino que se fez passar por meu sobrinho. Ele me enganou. Uma coisa horrível. Mas ficou para trás. E faz mais de 20 anos que eu fui pra rua, fazer arte.

Apresentav­a o espetáculo mais lindo do mundo no farol. Tinha teatro, Molière, dança, poesia. Era coisa de alto nível. Eram vários artistas que se juntavam. Mas as pessoas gostavam da maquiagem, e eu fazia maquiagem.

Fiz show na Nostromund­o [boate gay aberta em 1971 na rua da Consolação que foi a mais longeva da cidade, até fechar, em 2014]. Mas só um ou outro. Cantava Angela Maria, com um vestido de veludo ‘LUMIÈRE’ Minha infância foi muito comum. Saí menino do interior para vir para São Paulo, e daqui ir pra Paris. ‘J’avais besoin de lumière’ [‘Eu precisava de luz’, em francês]. Foi lá que eu aprendi inglês, francês e italiano. Sozinho. Sozinho, não, com os livros.

O pessoal de Araraquara é muito deselegant­e. Não tenho vontade nenhuma de voltar para lá. Mas eu sinto muita falta da minha mãe.

Não quero mais trabalhar. Eu sou muito preguiçoso, gosto de dormir. No dia que consigo R$ 100, R$ 200, fico sem trabalhar no dia seguinte. Mas isso quase nunca acontece. Trabalho todos os dias, de noite.

Gosto dessa pensão porque me deixam dormir durante o dia. Nunca peço pra mudar a roupa de cama. É que eu não gosto de incomodar, e não pode gastar água assim, está acabando. Não me incomoda que fumem crack aqui do lado, eu não mexo com eles e eles não mexem comigo. Eu mesmo não fumo. Nem bebo. Só Coca-Cola.

O centro não é um lugar tranquilo, é preciso estar sempre atento. Tem perigo de todo tipo. Já me bateram mais de uma vez. A polícia me bateu muito. Uma vez, uma amiga foi ‘tirar o chuchu’ [tirar com pinça ou com fio de náilon os pêlos do queixo] lá em casa, eu tinha um apartament­o. Desci com ela na [rua] Major Sertório e me levaram no camburão. Na delegacia, apanhei muito. Pessoas passam de carro e xingam muito.

Eu gosto de ser reconhecid­o. Eu sou muito famoso. Me chamam de Fofão. Eu não sou o Fofão, eu sei disso, mas deixa. Chamam de borboleta. Chamam de bichona, chamam de muita coisa. Eu não me importo, coisa boba.

Fiz muito pela cultura. Eu lotei salas de teatro, levei as pessoas aos artistas, mostrei o quanto a arte era importante. A arte é importante.

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