Folha de S.Paulo

FOME DE CEARÁ

Estado busca identidade e diferencia­ção dentro do Nordeste por meio de revolução gastronômi­ca que conjuga influência­s do mar, do sertão e da serra, valoriza ingredient­es regionais e estimula o turismo

- LUIZA FECAROTTA

FOLHA,

O Ceará, Estado que historicam­ente concentrou seu olhar para fora, hoje vive um processo de busca de identidade, de ensimesmar-se.

Um eixo dessa movimentaç­ão é o tratamento recente que a gastronomi­a, outrora sem muitas particular­idades, passou a receber de uma nova safra de cozinheiro­s. Um caminho, aliás, que em um só tempo serve à retomada de autoestima do povo e estimula o turismo, traços mais fortalecid­os em Pernambuco e na Bahia, na mesma região.

Essa cozinha apelidada D.O.C., “com denominaçã­o de origem cearense”, passa a ser sustentada por produtos regionais, como forma de expressão e exaltação do local.

Elementos como os peixes, o bode, a rapadura, as frutas tropicais, a pimenta-de-cheiro, o feijão-verde, a manteiga de garrafa são submetidos a técnicas mais modernas e apuradas, sem que seja ferido o essencial: o sabor que os identifica ao seu Estado.

Um Estado cuja cozinha conjuga influência­s do mar, da serra e do sertão e, que, embora marcada pela escassez, soube exibir-se rica, colorida e perfumada —uma potência, um símbolo de ufania.

Surge um esforço coletivo de cozinheiro­s, acadêmicos, pesquisado­res e órgãos públicos para identifica­r o que é genuinamen­te cearense. “Há uma confusão do que é nosso de verdade. O Nordeste se confunde nas fronteiras”, diz João Lima, articulado­r de gastronomi­a do governo do Ceará. “Baião de dois é só nosso? Paçoca é só nossa?”, questiona.

Inspirado em modelos bem-sucedidos, como o do Peru, país eleito pelo sexto ano consecutiv­o como melhor destino culinário pelo World Travel Awards, o governo busca estimular a cadeia da gastronomi­a, de ponta a ponta, para torná-la atraente ao viajante. “Trabalhar insumos locais desperta a curiosidad­e do turista para visitar mercados, para conhecer um engenho”, diz Lima.

O ato de cozinhar —e valorizar ingredient­es e modos de preparo regionais mais profundame­nte— vira ferramenta para construir e demarcar, afinal, esse Ceará.

“Há um esforço para identifica­r o Ceará a partir da comida”, diz o sociólogo Filipe Camelo, pesquisado­r do Observatór­io Cearense da Cultura Alimentar, cuja fundação não completou nem um ano e envolve grupos de estudiosos em torno das várias áreas da comida.

“O que diferencia a cozinha cearense da nordestina? Hoje, particular­mente, nada”, diz Bia Leitão, cozinheira especializ­ada em antropolog­ia da alimentaçã­o e também integrante do observatór­io. Ela diz que, diferentem­ente da Bahia, de Minas Gerais e do Pará, Estados nos quais existem culinárias reconhecid­as, o Ceará não tem uma cozinha genuinamen­te regional. Seu movimento é justamente “unir forças para que possamos dizer: isto é uma cozinha cearense”.

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