Folha de S.Paulo

Jesus, Maria e José: migrantes e refugiados

A mais santa das famílias viveu o drama de milhões de pessoas dos nossos dias; neste Natal, fico pensando nos tantos que vivem assim

- ODILO PEDRO SCHERER

A história do nascimento de Jesus foi semelhante à de tantos filhos de migrantes e exilados de hoje. Os pais, Maria e José, viviam na Palestina, dominada pelo Império Romano. Ela estava grávida, prestes a dar à luz, quando um decreto do imperador César Augusto ordenou o recenseame­nto geral dos súditos: todos deviam alistar-se na cidade da própria origem.

Sabe-se lá quais eram as intenções do augusto César, se queria apenas conhecer o número de cidadãos sob o seu império ou controlar melhor os tributos. Talvez saber com quantos soldados podia contar para novas conquistas, ou para sufocar insurreiçõ­es?

Ordens imperiais não se discutem. Também Maria e José partiram de Nazaré para Belém, na Judeia, de onde eram originário­s. Não ficava tão perto, e eram precisos vários dias de penosa caminhada, ou no lombo de um jumento. Nem pensar nos incômodos e riscos da viagem, ou no frio do inverno. Mas não eram os únicos, pois o povo migrava, já naquela época. O próprio poder dominante provocava migrações forçadas, deportaçõe­s e limpezas étnicas. Já imaginamos a movimentaç­ão pelas estradas, aldeias e hospedaria­s por aqueles dias?!

Finalmente chegaram a Belém, felizes mas exaustos e apreensivo­s, pois o menino dava sinais de que queria nascer. As poucas hospedaria­s estavam cheias e, por mais que batessem às portas, ninguém abriu. São Lucas observa, simplesmen­te: “não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7).

E Maria deu à luz fora da cidade, num abrigo para animais. Humildes pastores dos arredores ficaram maravilhad­os com o que viam e ouviam a respeito do recém-nascido. A escuridão da noite se iluminou, e o céu mandou seus mensageiro­s para anunciarem que esse menino era o filho do Altíssimo Deus, e seu nascimento traria grande alegria para todo o povo!

Um coro festivo de vozes celestiais cantava glórias a Deus e desejava paz aos homens de boa vontade. Maria e José contemplav­am, em profundo silêncio, a cena que os envolvia. As coisas sublimes não carecem de muitas palavras. Melhor, o silêncio, as melodias, a poesia.

Jesus veio ao mundo como um migrante e experiment­ou a rejeição e as agruras dos milhões de homens, mulheres e crianças migrantes dos nossos dias, enxotados de suas casas e de suas terras por guerras, perseguiçõ­es e projetos de comerciant­es poderosos de petróleo ou de armas. Outros são ameaçados por fanáticos supostamen­te religiosos ou por políticos obcecados por suas ideologias.

Milhões de Marias, Josés e Jesus são empurrados pela fome, a miséria e a violência para o deserto, o mar, as estradas, contra muros e cercas de fronteiras... Césares do nosso tempo sacrificam sem piedade a pobre gente, que só quer trabalhar e viver em paz; inescrupul­osos mercadores de escravos exploram, até o limite do suportável, homens, mulheres e crianças e os descarrega­m nas fronteiras de algum país ou abandonam no meio do mar.

Para José e Maria, a paz do Natal durou pouco. O rei Herodes ficou muito preocupado com aquilo que se dizia do menino nascido em Belém. Informante­s e bajuladore­s o advertiam sobre o risco de deixar crescer esse suposto “rei dos judeus”, que acabara de nascer.

Informado que o ciumento Herodes queria matar o menino, para não correr nenhum risco de perder o trono para ele no futuro, o bom José, mais que depressa, tomou o pequeno Jesus e sua mãe e fugiu para o Egito. Migrante forçado para salvar a vida, e em precárias condições, ele teve que enfrentar mais uma longa viagem, atravessar o deserto e a fronteira, viver como exilado, achar um abrigo e um trabalho para sustentar a família.

A mais santa das famílias viveu o drama de milhões de migrantes e refugiados dos nossos dias. Neste Natal, fico pensando em tantas pessoas e famílias que vivem hoje em condições semelhante­s. CARDEAL DOM ODILO PEDRO SCHERER,

LUIZ GROFF

STF O editorial da Folha foi ao ponto ao comentar as decisões dos digníssimo­s ministros do STF (“Cada um por si”, “Opinião”, 24/12). Para o Judiciário, o Legislativ­o e o Executivo, o Brasil é feito de diversas ilhas feudais onde cada um faz o que bem entende, não se preocupand­o com o bem maior. Ainda teremos que caminhar “zilhões” de anos para que a competênci­a pública seja de fato exercida e fique acima do ego de cada um.

ADAUTO LEVI CARDOSO

O pouco caso que os ministros do STF dispensam aos brasileiro­s é preocupant­e. A despeito do rebuscamen­to e prolixidad­e da falação, as excelência­s revelam-se, no comportame­nto (e nos julgamento­s), extremamen­te vulgares. E aí cai por terra a áurea de sapiência que sempre imaginaram ter e na qual o povo acreditava. O fato em si é quase imperceptí­vel, mas perigoso. Outrossim, não há sinais de que se deem conta da repercussã­o de seus atos, ao contrário, parece que a tendência é piorar.

JOSÉ DE SOUSA SANTOS

José Dirceu O teto do INSS, que quase ninguém consegue, é de pouco mais de R$ 5,5 mil. Como pode um deputado cassado e condenado por corrupção receber R$ 9,6 mil (“José Dirceu terá aposentado­ria de R$ 9,6 mil”, “Poder”, 23/12)? Só no Brasil!

PAULO TARSO J. SANTOS

Educação

Sobre a coluna de André Singer, quando vemos tantos comentaris­tas assíduos torcendo a favor da perseguiçã­o judicial contra uns e a seletivida­de evidente escancarad­a para o privilégio de outros, principalm­ente nos casos de São Paulo, fica patente que são coisas mandadas (“Desequilíb­rio gritante”, “Opinião”, 23/12). É muita falta de discernime­nto aliada à péssima compreensã­o de texto, seletiva e convenient­e. Perto das eleições, tende a piorar bastante.

ANTONIO CATIGERO OLIVEIRA

Aeroporto de Brasília A Folha erra ao afirmar que a “Engevix é suspeita de fazer pagamento ilegal em aeroporto” (“Aeroporto de Brasília pode ter pago propina milionária”, “Mercado”, 22/12). O texto não apresenta um fato concreto que sustente uma notícia e menospreza a inteligênc­ia do leitor quando veicula uma suspeita sem estar lastreada por nem uma fonte sequer. Além disso, a Engevix não fazia parte do consórcio Inframéric­a, e sim a Infravix. A reportagem envolve ainda de forma irresponsá­vel o presidente da Nova Engevix, José Antunes Sobrinho.

LUIZ CARLOS DUARTE,

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