Folha de S.Paulo

Os melhores de 2017

- RONALDO LEMOS

2018 VAI chegando, e as listas de “melhores de 2017” vão aparecendo. Elas são úteis. Ajudam a mitigar —ainda que sem resolver— um duplo problema. Primeiro, vivemos em tempos de inflação cultural. Nunca se produziu tanta coisa, em todas as áreas. Segundo, há uma fragmentaç­ão em curso de valores, gostos e preferênci­as. Com tantas opções do que ver, ouvir, interagir ou jogar, cada pessoa tende a construir um universo de referência­s próprias, que muitas vezes não se comunica com outras pessoas. É o fenômeno da “bolha”, aplicado à cultura. É nesse contexto que as listas desempenha­m a quixotesca tarefa de tentar estabelece­r um conjunto de referência­s mínimas comuns. É claro que elas também falham diante da inflação cultural: o próprio número de listas se multiplica, e é difícil saber qual possui um pouco de objetivida­de.

É justamente nesse contexto que vale aproveitar o fim do ano para fazer uma lista absolutame­nte pessoal de fatos e artefatos culturais que chamaram a atenção em 2017.

O primeiro foi a morte prematura no início do ano do escritor e crítico cultural Mark Fisher, também conhecido com k-punk. Fisher é um dos mais potentes pensadores para entender o mundo contemporâ­neo. Seu livro “Capitalist Realism” é seminal. A perda de k-punk faz tanta falta quanto a de J.G. Ballard há alguns anos. O mundo que ambos preconizar­am está entre nós.

Exemplo desse mundo é a obra (se é que pode ser chamada assim) da escritora, editora, curadora e agora artista plástica Elise By Olsen. Apesar do extenso currículo, a norueguesa tem apenas 17 anos. Aos 8, ela criou seu blog. Aos 13, fundou a revista “Recens Paper”, que virou referência sobre cultura jovem na moda e na publicidad­e.

Ela acaba de abandonar a editoria da revista “deixando-a para gerações mais novas”, nas suas próprias palavras. Encontrou-se recentemen­te com o curador Hans Ulrich Obrist e está direcionan­do seu trabalho para as artes plásticas, como artista e curadora.

O que chama a atenção em Elise é o rosto de profundo enfado quando posa para fotos. Ela é a materializ­ação dos personagen­s que Ballard chamou de “so young, and already world-weary” (tão jovens e já cansados do mundo) no livro “Super-Cannes”.

Outro destaque cultural do ano foi a passagem do misterioso “oumuamua”, o primeiro objeto interestel­ar observado dentro do sistema solar. O termo significa “mensageiro que vem de longe e chega primeiro” em havaiano. Trata-se de um suposto asteroide de forma alongada (o que é pouco usual) que veio da direção de Vega e usou a gravidade do nosso Sol para acelerar e mudar o rumo para Pégaso.

Houve especulaçõ­es de que poderia ser uma nave alienígena. Vários radioteles­cópios não detectaram nenhum tipo de emissão eletromagn­ética. Podemos ficar tranquilos? Ou ele usa neutrinos, ondas gravitacio­nais ou entrelaçam­ento quântico para se comunicar, tecnologia­s que não dominamos? Seja o que for, um feliz Natal! E durma com um silêncio desses.

As listas mitigam um duplo problema: a inflação cultural e a fragmentaç­ão de valores que vivemos

RONALDO LEMOS

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil