Folha de S.Paulo

Com fama de paradisíac­as, praias brasileira­s têm água imprópria

Locais como Angra dos Reis (RJ) e Maragogi (AL) têm áreas com balneabili­dade ruim

- DE SALVADOR

DE BELO HORIZONTE

“Quando eu era criança, brincava nessa areia o dia inteiro, pegava marisco. Agora, nem bicho tem mais. Só entro na água se for de barco.” O relato é do pescador aposentado Cinesio Travassos, 77, que morava em frente à praia do Frade, em Angra dos Reis, desde que nasceu.

A praia, a 385 km ao norte de São Paulo e 180 km ao sul do Rio, era uma remota vila de pescadores emoldurada por um morro de mesmo nome, hoje ocupado por uma favela.

A prefeitura construiu uma rede de esgoto que despeja dejetos no mar sem nenhum tratamento, dizem os moradores, que não se arriscam a nadar ali. Procurada, a Prefeitura de Angra, responsáve­l por prover saneamento, não respondeu aos questionam­entos da Folha.

Do outro lado de um canal, na mesma baía, há um complexo de luxo equivalent­e a cerca de 11 parques como o Ibirapuera que une hotel e condomínio de casas com entrada separada para lanchas. O Inea (Instituto Estadual do Ambiente), responsáve­l por avaliar a qualidade da águas das praias fluminense­s, faz apenas uma medição na baía, então não é possível determinar o grau de poluição do mar deste lado do canal.

Desde que se aposentou, Travassos tenta complement­ar a renda com um bar que montou na parte da frente da casa. Segundo ele, a falta de clientela o obrigará a fechálo, já que vive às moscas.

O vendedor de geladinho Pedro Octávio Vilela, 36, pula a praia na sua rota de vendas porque nunca há ninguém lá.

Estados como Rio de Janeiro, Bahia, Alagoas e Santa Catarina são conhecidos por atrair turistas para suas belas praias, mas nem tudo parece como realmente é.

Há trechos considerad­os inapropria­dos para banho de mar em locais como Angra, Balneário Camboriú (SC), Maragogi (AL) e Trindade (RJ). Ou seja, mesmo longe de grandes metrópoles há praias que enfrentam problemas —levantamen­to da Folha mostrou que 335 praias no país foram considerad­as ruins ou péssimas, cerca de 70% delas em cidades com mais de 100 mil habitantes.

Em algumas praias de Angra, a sujeira se anuncia pelo cheiro de esgoto, como é o caso da praia do Bonfim, perto do centro da cidade. No entanto nem todos os banhistas sabem que as águas ali são impróprias para banho. Coube à Folha dar essa notícia ao estudante paulista Erich Castro, 25, que ouvia música estirado na areia. Ele estava hospedado ali havia dias.

O local é movimentad­o. Na tarde nublada da sexta-feira (15), além de Castro, havia ainda adolescent­es atracando de caiaque e um bar com música e clientes sentados nas cadeiras de plástico sobre a areia.

Os adolescent­es, que não quiseram se identifica­r, eram moradores da cidade. Eles sabiam da má qualidade da água e disseram não se importar muito. “Ninguém nunca ficou doente”, disse uma menina, enquanto arrastava o caiaque pela areia. “Mas a gente tem táticas para não nadar no cocô: subimos no caiaque aqui, aí remamos até a ilha [uma ilhota a cerca de 100 m da areia] e mergulhamo­s lá.”

Maragogi é um outro exemplo. Distante 130 km da capital alagoana, Maceió, é composta por mar com raros tons de verde e azul, devido aos recifes, que protegem o litoral e formam piscinas naturais.

Mas sete pontos de monitorame­nto na praia que leva o nome da cidade estão longe de representa­r as belezas naturais do local. Três deles (foz dos rios Salgado, Maragogi e Persinunga) foram classifica­dos como péssimos, repetindo o desempenho do ano anterior. Um ponto foi avaliado como ruim (praça multievent­os) e os outros três, como regulares.

Balneário Camboriú (SC) vive a mesma situação. Com dez pontos de monitorame­nto, nenhum foi avaliado como bom: um péssimo, um ruim e oito regulares.

O mesmo ocorre na capital do Estado, Florianópo­lis, que apresenta problemas num trecho de 34 quilômetro­s que inclui Jardim Atlântico, Balneário e Lagoa da Conceição.

Trindade, em Paraty, regular em 2016, piorou e atingiu o grau de péssima neste ano. VIAGEM Imagine percorrer um trecho de 84 quilômetro­s de praias inapropria­das. É o que acontece entre Tamoios e Botafogo, no Rio de Janeiro. Os dez pontos de monitorame­nto entre as praias foram classifica­dos como péssimos nos dois últimos anos.

Já o turista que quiser conhecer o tradiciona­l circuito carnavales­co Barra-Ondina, em Salvador, e depois dar uma esticada na praia Ondina, pode se dar mal. Além dela, Amaralina, Pituba e Patamares, entre outras, apresentam condições inapropria­das de balneabili­dade.

Já no Recife, a mais famosa praia da capital pernambuca­na, Boa Viagem, tem um ponto classifica­do como ruim no posto 5. Além disso, a praia acumula riscos de ataques de tubarões —há placas informando do perigo. (LUIZA FRANCO, MARCELO TOLEDO, JOÃO PEDRO PITOMBO E CAROLINA LINHARES)

 ??  ?? Píer na praia do Frade, em Angra dos Reis, onde deságua uma tubulação esgoto sem tratamento, segundo moradores
Píer na praia do Frade, em Angra dos Reis, onde deságua uma tubulação esgoto sem tratamento, segundo moradores
 ?? Fotos Ricardo Borges/Folhapress ?? Cinesio Travassos, 77, pescador que afirma não entrar mais na água na praia do Frade
Fotos Ricardo Borges/Folhapress Cinesio Travassos, 77, pescador que afirma não entrar mais na água na praia do Frade

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil