Folha de S.Paulo

Gratuidade ilusória

Entre paulistas, 57% rejeitam cobrança em universida­des públicas, enquanto 43% a admitem; impostos de todos sustentam ensino de elite

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Há escassa surpresa na constataçã­o, em pesquisa Datafolha, de que os contribuin­tes paulistas defendem a continuida­de do ensino gratuito nas universida­des públicas estaduais. Já assoberbad­os com a sobrecarga tributária, não admitem pagar por um direito que seria obrigação do Estado respeitar.

O princípio está inscrito no artigo 206 da Constituiç­ão, que determina a gratuidade do ensino público em estabeleci­mentos oficiais. Como aí não se faz distinção entre os níveis fundamenta­l, médio e universitá­rio de ensino, decorre que a ideia de cobrar mensalidad­es no terceiro grau dependeria de alteração constituci­onal.

Não espanta, assim, que expressivo­s 70% dos jovens de 16 a 24 anos defendam a manutenção do dispositiv­o da Carta Maior. Desprovido­s de renda própria ou entrando pelo estrato inferior no mercado de trabalho, é compreensí­vel que enxerguem na universida­de pública —e gratuita— sua grande chance de ascensão socioeconô­mica.

Na média da população, a opinião se matiza significat­ivamente. Ainda há maioria a favor da gratuidade, mas bem menos evidente (57%). Consideráv­eis 43%, afinal, apoiam o desembolso de mensalidad­es por aqueles cujas famílias tenham condição de pagar.

Não é improvável que esse contingent­e se amplie e se converta, eventualme­nte, em maioria. É aguda a consciênci­a do público quanto à precária situação financeira das universida­des paulistas: meros 17% a consideram ótima ou boa, e 74% avaliam-na como ruim, péssima ou apenas regular.

Com efeito, todas as três instituiçõ­es estaduais (USP, Unicamp e Unesp) compromete­m com a folha de pagamentos 98% ou mais da receita que lhes assegura o Tesouro (9,57% da arrecadaçã­o de ICMS). Sem recursos para investir, torna-se inevitável a queda da qualidade no ensino e na pesquisa.

Cobrar mensalidad­es de quem possa pagar decerto não constitui uma panaceia nem resolverá a condição de quase insolvênci­a dessas universida­des públicas, nem de quaisquer de suas congêneres.

Trata-se, desde logo, de uma questão de equidade: com o número limitado de vagas, elas acabam ocupadas de forma prepondera­nte por alunos mais preparados, vale dizer, aqueles com recursos para pagar as melhores escolas de ensino médio.

Chamar de gratuito o ensino nessas instituiçõ­es representa uma falácia: os alunos podem não pagar por ele, embora sejam seus maiores beneficiár­ios, mas o investimen­to neles onera todos os cidadãos.

Ao fim e ao cabo, transfere-se renda de toda a sociedade para grupos mais abonados, agravando a desigualda­de brasileira. SÃO PAULO -

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