Folha de S.Paulo

O jornalista Temer

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RIO DE JANEIRO - Millôr Fernandes dizia que, em qualquer roda, é fácil reconhecer o jornalista: é o que está falando mal do jornalismo. Hoje todos falam mal. Até o Temer.

O presidente falou de improviso, o que, no caso dele, é um convite ao desastre. Não deu outra: criticou o jornalismo pelos motivos errados. Contou que quis ser jornalista, mas esperava uma profissão “mais romântica” e desistiu. Trabalhar em jornal só é uma atividade romântica nas telas do cinema. Aliás, nem nelas, se você viu os filmes certos: “A Montanha dos Sete Abutres”, com Kirk Douglas, e “A Primeira Página”, com Jack Lemmon e Walter Matthau, ambos dirigidos por Billy Wilder.

Temer lembrou que, no fim da década de 1950, atuou como redator (ou “copidesque”, como diz) na falecida “Última Hora”, de Samuel Wainer. Na época, ele era um adolescent­e. Se já fosse chegado em mesóclises, citações em latim e linguagem tediosamen­te rebuscada, como hoje, estava no lugar errado. Nunca cortaria um “outrossim” no texto do repórter.

Antes de entrar na redação, Temer julgava que lugar de jornalista era na rua, “colhendo notícias”. A vida do repórter é —ou era, antes da internet— gastar sola de sapato. Mas, de novo, o presidente incorre num erro de função. Além de disposição para correr atrás, é preciso que o repórter tenha sensibilid­ade para entender o que se passa na rua. Temer está a anos-luz disso.

Para começar, não descarta a possibilid­ade de candidatar-se a presidente. Em tom de piada, comemorou a pesquisa em que sua aprovação subiu de 3% para 6%. E, antes que o ano terminasse, soltou a frase mais sem noção da temporada: “As pessoas têm vergonha de dizer, embora aprovem o governo”. Pensando bem, se ele tivesse sido jornalista, estaríamos bem melhor. Mesmo usando “outrossim” nas reportagen­s e cometendo mesóclises nos títulos.

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