Folha de S.Paulo

Para 2018, amar o Brasil

- JOEL PINHEIRO DA FONSECA

ANO NOVO é momento de novas escolhas. Para entrar bem, responda para si mesmo: por que escolho ficar no Brasil?

Todos os anos, pessoas de todas as classes emigram em busca de melhores condições: empregos, melhores serviços do Estado, segurança, educação para os filhos. Costumam ser bem-sucedidos.

Nos EUA, por exemplo, enfrentam dificuldad­es e preconceit­os, mas mesmo assim integram-se bem e têm maior índice de emprego e de empreended­orismo não só do que a população nativa, mas do que a média dos imigrantes —os dados são do livro “Brasileiro­s nos Estados Unidos: Meio Século Refazendo a América (1960-2010)”, lançado este ano. Muitos sonham em voltar.

Ficar no Brasil é enfrentar os riscos da vida comum, a dificuldad­e de crescer, a precarieda­de e o descaso das autoridade­s. E ainda encarar a dor de cabeça de tentar mudar as coisas. O que nos leva a fazer isso? Arrisco um motivo fora de moda: temos amor pelo Brasil.

Amar o Brasil significa duas coisas. A primeira —e mais fácil— é querer que nosso país melhore. A outra é reconhecer aquilo que já é bom e que merece nosso apreço.

Reconhecer aquilo que vale a pena e que pode mesmo ser lição para o resto do mundo. E isso está em falta.

No discurso padrão, o Brasil fácil fácil vira a soma de todos os males. Esquerda e direita competem no pessimismo nacional. Para a esquerda, somos o país da desigualda­de, da exploração, do racismo, da injustiça. Governados por uma elite gananciosa­emestraema­comodarint­eresses sem operar nenhuma transforma­ção real, estamos muito longe do ideal igualitári­o do socialismo, ou, vá lá, dos países nórdicos.

Para a direita, somos o país da corrupção, do patrimonia­lismo, da burocracia, da preguiça e do jeitinho. Nossas instituiçõ­es são frágeis, nosso Estado é ineficient­e, nosso capitalism­o é de laços. Tão distantes da eficiência impessoal, da ética do trabalho e da ambição norte-americanos.

Ambas têm sua parcela de verdade, mas não são toda a verdade. Qual é o outro lado dessa moeda? Um país de um saudável individual­ismo, pouco afeito ao cabresto, em que ninguém mata ou morre em nome de uma ideologia, coletivida­de ou partido.

Temos tolerância baixa com os líderes que dizem nos representa­r. A chanchada dá o tom.

O afeto pessoal, e não a adesão fria a regras ou autoridade­s, pautam as relações sociais. Assim, embora marcado por racismo e intolerânc­ia, estes não falam mais alto do que os vínculos pessoais e familiares, produzindo e reproduzin­do um país miscigenad­o, sincrético e tolerante, que com facilidade integra à mistura quem vem de fora.

Nossa política é a arte do acordo, da conciliaçã­o das diferenças. Virtudes que garantem a união de um país continenta­l e que virão a calhar em tempos de polarizaçã­o crescente. Ninguém deixa a ceia de Natal por discussão política.

Por fim, somos um povo criativo e trabalhado­r, que em um meio precário sabe criar soluções transitóri­as: improviso, jeitinho, gambiarra. Empreended­ores por vocação e necessidad­e. Vide nosso sucesso quando emigramos para outras terras.

Não há nada de errado em mudar de país. Cada um conhece suas circunstân­cias. Para aqueles que decidem ficar e apostar no Brasil, há bons motivos para essa decisão. Redescobri-los será um passo nos novos caminhos que teremos de traçar coletivame­nte. Um feliz 2018!

Somos um povo criativo que sabe criar soluções transitóri­as: improviso, jeitinho, gambiarra

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