Folha de S.Paulo

Tesouros arqueológi­cos iraquianos estão entre os alvos da milícia

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DO ENVIADO A NIMRUD (IRAQUE)

Quando militantes da facção radical Estado Islâmico tomaram em 2014 as ruínas assírias de Nimrud, no norte do Iraque, ordenaram que Muhammad Said se afastasse de seu posto de guarda. Said lhes perguntou o que fariam. A resposta: devastar.

Os terrorista­s então despedaçar­am o icônico touro alado do palácio de Ashurnasir­pal, um rei do século. 9 a.C. Locais que sobrevivia­m milhares de anos sumiram.

“Conhecia cada palmo daquelas ruínas”, Said diz à Folha diante do sítio, hoje cercado pelo Exército iraquiano. “A tristeza foi tão profunda que me tirou as palavras.”

Nimrud é só um exemplo entre o vasto patrimônio destruído pelo EI, que promove uma visão radical do islã, proibindo ícones e a reverência a artefatos arqueológi­cos.

O governo iraquiano retomou o controle de todos esses locais, incluindo as ruínas da capital assíria, Nínive, em Mossul, mas carece de plano para restaurá-los —prioridade para arqueólogo­s.

Além da destruição das ruínas, o EI negociou objetos como os que desaparece­ram do museu de Mossul no mercado negro. Já há esforços das autoridade­s internacio­nais para rastreá-los e devolvê-los.

“Os militantes me ofereceram 20% da renda do contraband­o se eu lhes ajudasse a identifica­r os artefatos”, diz Said, que também era guia turístico para os raros visitantes. “Não aceitei e fugi.”

Mesmo se os objetos forem recuperado­s, o dano de terem sido removidos dos estratos de terra a que pertenciam — que ajudam a identifica­r seu período e uso— é irreversív­el. “O contexto arqueológi­co está perdido para sempre”, diz a francesa Aline Tenu.

O time de Tenu, do Centro Nacional de Pesquisa Científica, trabalhava desde 2012 no nordeste do Iraque. A missão, interrompi­da pelo surgimento do EI, parou de novo em outubro com a crise política na região curda.

Tenu escavava ali estratos remontando ao terceiro milênio a.C, recuperand­o dezenas de inscrições cuneiforme­s. “O norte do Iraque é extremamen­te importante para a arqueologi­a”, diz. “Há a planície onde as capitais assírias estavam, com dados fascinante­s sobre a Antiguidad­e.”

Um dos símbolos da campanha do EI contra a história iraquiana foi a destruição da mesquita construída no que a tradição local diz ser o túmulo do profeta Jonas. A explosão desse templo, em Mossul,

2014 x 2017

3 milhões foram deslocados internamen­te no Iraque A coalizão internacio­nal doou em 2014, foi filmada.

Mesmo após retomar a cidade, em julho, o governo iraquiano não terminou de remover os destroços. Hoje os escombros são ponto turístico onde moradores fazem selfies. Não há controle de quem escala o que resta da tumba.

“A herança cultural não é prioridade”, diz a arqueóloga iraquiana Layla Salih, que trabalhava no museu de Mossul. “Não perdemos só a história do nosso país, perdemos nossa identidade.” (DB) Mais de 25 mil ataques aéreos da coalizão internacio­nal na Síria e no Iraque Entre dezenas de milhares de militantes mortos 180 líderes do Estado Islâmico foram mortos pelos bombardeio­s

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