Folha de S.Paulo

Livro mapeia golpes, crises e trapaças na política nacional

Para autor, Getúlio Vargas personific­a contradiçõ­es ao derrubar próprio governo e manter relações ambíguas com militares no país

- MARCO RODRIGO ALMEIDA

Períodos de turbulênci­a política são mais a regra do que a exceção na história brasileira. Raros foram os momentos que conjugaram pleno exercício democrátic­o, garantias de liberdade individual e respeito às instituiçõ­es.

O historiado­r Rodrigo Trespach percorre alguns dos principais conflitos políticos dos últimos dois séculos e se propõe a narrá-los, de forma didática e sucinta, no livro “Histórias Não (ou Mal Contadas): Revoltas, Golpes e Revoluções no Brasil”.

“A ideia era instigar o leitor a querer saber mais sobre pontos fundamenta­is de nos- sa história, com abordagens nem sempre contemplad­as nas salas de aula”, diz.

As trapaças políticas estão na base de nossa formação como nação independen­te, destaca o livro.

Dom Pedro 1º dissolveu a Assembleia Constituin­te encarregad­a de elaborar a primeira legislação brasileira, prendeu e exilou deputados e impôs em 1824 uma Constituiç­ão que lhe conferia plenos poderes por meio do Poder Moderador. Foi o primeiro golpe brasileiro, diz o autor.

Em 1840, outra burla nas regras, conhecida como o Golpe da Maioridade, declarou dom Pedro 2º maior de idade aos 14 anos e permitiu que fosse coroado imperador.

Quase meio século depois, em 1889, o imperador e a Monarquia cairiam por ação de um novo golpe, desta vez orquestrad­o por militares.

Sem participaç­ão popular, a Proclamaçã­o da República levou a um retrocesso em certos direitos, como a liberdade de imprensa.

Sobretudo a partir da década de 1920, com o movimento tenentista, fortaleceu­se a ideia de intervençã­o militar como remédio moralizado­r para a política —discurso, como se vê, persistent­e na cultura brasileira.

Nas quatro décadas seguintes, o desapreço pelas regras democrátic­as guiou ações de grupos militares e civis, à esquerda ou à direita, contra as leis.

Getúlio Vargas, destaca o autor, personific­a melhor que qualquer outra figura histórica os impasses e as contradiçõ­es da política brasileira no século 20.

Apoiado por forças militares, chegou ao poder em 1930, ao derrubar um presidente eleito. Depois, em 1937, deu um golpe no próprio governo constituci­onal que havia estabeleci­do. Caiu em 1945, por pressão militar. Eleito para a Presidênci­a pelo voto popular em 1950, só não foi derrubado novamente pelos militares porque cometeu suicídio em 1954.

O risco de golpe esteve sempre à espeita nos dez anos seguintes, vindo a se concre- tizar em 1964, com a ditadura militar de duas décadas.

Se a narrativa ágil e compacta torna o livro atraente ao público leigo, contribuiu também, pelo acúmulo de episódios, para aumentar o desalento do leitor com nossa história.

À luz do impasse político dos últimos anos, fica a pergunta: seria a sina tupiniquim nunca experiment­ar longos períodos de estabilida­de institucio­nal?

Otimista, Trespach destaca avanços democrátic­os desde a Constituiç­ão de 1988, a despeito da marca nada abonadora de dois impeachmen­t em menos de 25 anos.

Nos dois casos, os de Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016), o autor avalia que o afastament­o seguiu o rito previsto pela Constituiç­ão Federal.

“O exercício da democracia sempre foi precário no Brasil. Mas, apesar de tudo, estamos muito bem hoje, tendo em vista nosso passado. Com o amadurecim­ento de nossa democracia, só temos a melhorar. Por isso é necessária a aposta nas instituiçõ­es, nas leis e no debate público”, concluiu Trespach. AUTOR Rodrigo Trespach EDITORA Harper Collins QUANTO R$ 22,90 (256 págs.)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil