Folha de S.Paulo

Mais dia, menos dia

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A expulsão do embaixador do Brasil em Caracas reintroduz ao debate público a difícil questão de como lidar com o regime venezuelan­o.

Desde a posse, Michel Temer adotou três medidas. Primeiro, liderou com a Argentina o processo de sanção: a Venezuela foi suspensa do Mercosul até a restauraçã­o das garantias democrátic­as. Segundo, o governo brasileiro ofereceu ajuda humanitári­a na forma de alimentos e remédios. Terceiro, enquanto o governo em Brasília aumentava o tom das críticas, a embaixada do Brasil em Caracas evitou antagoniza­r o governo em público, mantendo contato com diversos setores da sociedade e incentivan­do o diálogo entre chavismo e oposição.

Chegou a hora de revisar essa política. Afinal, de lá para cá, Nicolás Maduro só fez aumentar a repressão, rejeitando a ajuda humanitári­a oferecida e expulsando diplomatas estrangeir­os. A nova Assembleia Constituin­te eliminou o que restava de democracia, ao passo que a mudança das regras eleitorais escancarou o horror que vem à frente. Qual o ajuste a fazer? É necessário reconhecer que o governo em Caracas não tem condições de promover diálogo genuíno com a oposição. Também é hora de reconhecer que o regime não aceitará ajuda humanitári­a, pois isso demandaria um cronograma de restauraçã­o dos direitos hoje suspensos. Nada indica que haverá uma mudança no chavismo a curto prazo e nada garante que a transição, quando vier, será para uma situação de mais democracia e respeito às liberdades civis e aos direitos políticos.

Por isso, nossa diplomacia tem de mirar os próximos anos, não os próximos meses, sempre de olho em criar condições para uma mudança de caráter democrátic­o, impedindo que o vizinho se transforme num Estado quebrado ou falido. Para nós, uma Venezuela arrebentad­a é um problema de segurança nacional.

Um ajuste dessa natureza levaria o Brasil trabalhar para (a) estabelece­r canais de comunicaçã­o reservados com as Forças Armadas venezuelan­as, jogador central na futura transição, (b) estabelece­r diálogo discreto, porém constante, com chavistas moderados e grupos dissidente­s, hoje exilados em Bogotá, (c) coordenar com terceiros países os termos do grande pacote de ajuda que será imperativo quando a transição ocorrer, (d) deixar claro a China e Rússia que o apoio econômico por elas dado à cúpula do regime venezuelan­o fere interesses brasileiro­s, e (e) denunciar nos foros relevantes, como vem sendo feito, os desmandos de um regime que espalha violência, arbítrio e pobreza.

Uma política assim teria o objetivo concreto e factível de posicionar o Brasil para cumprir um papel construtiv­o na transição venezuelan­a que, mais dia, menos dia, virá.

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