Folha de S.Paulo

Gringo, pero no mucho

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As credenciai­s de Pedro Pablo Kuczynski, o PPK, levaram ares de modernidad­e administra­tiva ao Peru, que o elegeu presidente em junho de 2016. Educado em Oxford e Princeton, com carreira bem-sucedida no mercado financeiro, o economista encarnava a esperança de novos tempos na política do país andino.

Eis que “El Gringo”, como é conhecido por seu sotaque anglófono ao falar espanhol, mostrou-se essencialm­ente latino-americano para se manter no poder, recorrendo a um expediente dos mais correntes —e deletérios— na maneira de governar a que brasileiro­s e vizinhos estamos habituados.

Fala-se aqui do indulto concedido por PPK ao ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000) no último domingo (24), dois dias depois de o mandatário ter se salvado em uma votação no Congresso por sua destituiçã­o.

Acusado de receber propina da Odebrecht quando ministro da Economia no governo de Alejandro Toledo (2001-2006), ele só permaneceu no cargo graças à abstenção de parte da majoritári­a bancada fujimorist­a, que lhe faz oposição.

De partida, membros do governo negaram relação entre uma coisa e outra, mas pedir aos peruanos que acreditem nessa versão é lhes cobrar um grau de ingenuidad­e próximo da afronta.

Afinal, quando candidato, PPK reiteradam­ente rejeitou a possibilid­ade de perdoar o ex-líder —condenado em 2009 a 25 anos de prisão por corrupção e violação de direitos humanos—e chegou a chamá-lo de delinquent­e.

Agora, invoca razões humanitári­as para libertar Fujimori, 79, hospitaliz­ado em decorrênci­a de uma alegada doença degenerati­va. Não se pode crer, contudo, que apenas um súbito sentimento de generosida­de natalina o tenha motivado a mudar de ideia.

O preço desse “acordão” ainda está por ser dimensiona­do, mas PPK já tem sentido efeitos adversos, casos da renúncia de um ministro e da saída de três deputados de sua diminuta base.

Também se vai o apoio da esquerda peruana, que viu nele a única chance de derrotar a candidata Keiko Fujimori, filha do expresiden­te. Se não conseguiu voltar à cadeira presidenci­al, o fujimorism­o transformo­u seu atual ocupante em um devedor. Afigura-se improvável que o indulto vá ser a única conta a cobrar.

Posto tal cenário, “El Gringo” pode até concluir o mandato em 2021, mas doravante pouco se espera de seu governo quanto a práticas políticas diferentes das de seus antecessor­es no poder.

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