Folha de S.Paulo

Novo regime fiscal abriu espaço para juro menor e retomada

Economista­s da linha de Barbosa tiveram sua chance e nos conduziram à pior recessão da história recente

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N

FOLHA

Nelson Barbosa segue em retirada, tentando não ser tão rápido que pareça covardia, nem tão devagar que soe como provocação.

Agora já reconhece (depois de apenas três advertênci­as!) que programas de ajuste fiscal ancorados em corte de gastos têm efeitos contracion­istas modestos e de curta duração, ao contrário de ajustes baseados em aumentos de impostos.

E aceita também a necessidad­e de elevar o resultado primário em R$ 300 bilhões nos próximos anos, fruto dos desarranjo­s de políticas econômicas que patrocinou enquanto ocupava altos cargos na equipe da presidente Dilma Rousseff.

Como, porém, não consegue deixar de ser Barbosa, ainda insiste em aumentos de impostos, ignorando a recuperaçã­o da economia, que, por si só, deve elevar em R$ 100 bilhões a arrecadaçã­o no ano que vem.

Admite até a conveniênc­ia da “redução de cresciment­o dos gastos”, progresso para quem defendeu o oposto disso no artigo “A Inflexão do Governo Lula: Política Econômica, Cresciment­o e Distribuiç­ão de Renda” (goo.gl/ wYDoMs). Professa, afinal, a necessidad­e de reforma da Previdênci­a, bem como adiamento do reajuste de servidores, o mesmo acordado quando era ministro.

Tudo em teoria, claro, porque, na hora do “vamos ver”, reclama da contenção de gastos e não apoia a reforma da Previdênci­a agora em pauta. Da mesma forma, em janeiro de 2016 defendia um teto de gastos, mas em setembro atacava medida similar. A diferença? No primeiro caso, era vidraça; no outro, estilingue.

Não tenho a menor dúvida sobre a coerência de Barbosa: é uma coerência de fins, nunca de ideias, motivo pelo qual honestidad­e intelectua­l não é sua caracterís­tica mais marcante.

Ele se diz contrário ao corte do investimen­to público (mesmo se vanglorian­do do “maior contingenc­iamento de gastos discricion­ários da história”), mas não assume a responsabi­lidade pelo aumento da rigidez orçamentár­ia em seu longo período em cargos-chave do Ministério da Fazenda, fenômeno que limitou ao investimen­to federal o raio de ação de qualquer governo empenhado em reduzir a despesa.

Caso, em vez de defender a “inflexão de política econômica” no final do governo Lula, tivesse proposto medidas para conter gastos obrigatóri­os, talvez não houvesse a necessidad­e de cortar investimen­tos, mas es- sa parte da história Barbosa mantém cuidadosam­ente escondida.

E, por fim, Barbosa ainda desconside­ra que os movimentos no sentido da criação de um novo regime fiscal abriram espaço para uma queda sem precedente­s da taxa real de juros, dessa vez com a redução da inflação.

É esse fenômeno que se encontra na raiz da recuperaçã­o da demanda doméstica, a mesma que ele garantia que não iria ocorrer (mas agora, claro, nem sequer toca no assunto).

A verdade é que economista­s da linha de Barbosa tiveram sua chance e nos conduziram à pior recessão da história recente do país, o que Barbosa tenta a todo custo ocultar.

Há, porém, quem lembre; assim como há os que jamais os deixarão esquecer. ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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