Folha de S.Paulo

Os votos e o voto

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; SÉRGIO RODRIGUES terça: Vera Iaconelli; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

VOTOS DE bons votos para todos os brasileiro­s em 2018.

A frase acima expressa dois desejos. Um é evidente: o de que as eleições de outubro reponham nos trilhos um país descarrila­do, embora esse futuro pareça improvável visto daqui. O outro, nem tanto.

O segundo desejo adentra o temerário (para qualquer cronista) terreno da metalingua­gem: chamar a atenção para duas das acepções que a palavra “voto”, vinda do latim “votum”, carrega por aí.

A aposta é que, mais do que curiosidad­e etimológic­a, o que liga os votos ao voto tenha valor cívico. Estamos precisando disso.

Os votos de feliz ano novo que abundam esta semana estão mais próximos do sentido original da palavra do que os que se contam nas urnas.

Expressand­o um desejo, fazem ligação direta com um termo latino que, sendo derivado do verbo “vovere” (prometer), falava do empenho para a obtenção de uma graça.

O voto era, na origem, a moeda principal no comércio entre terra e céu. Quem fazia um voto suplicava a Deus ou aos deuses, desejava ardentemen­te algo, e para reforçar seu desejo prometia, fazia uma oferenda em troca do benefício.

“Devoção” é um termo da mesma família. O ex-voto (que significa “em decorrênci­a de voto”) típico do catolicism­o tradiciona­l, mas que ainda pode ser encontrado em muitas igrejas, é um objeto que representa de forma literal a graça pretendida ou alcançada —muitas vezes um pedaço do corpo para o qual se pede ou se agradece a cura de uma enfermidad­e.

O voto como empenho e promessa feita à divindade está vivo na língua em expressões como “voto de castidade”, “voto de pobreza” e “votos matrimonia­is”. As velas votivas o adjetivam.

No entanto, faz meio milênio que esse substantiv­o carregado de religiosid­ade, espalhado por diversas línguas modernas pelo latim eclesiásti­co, foi passear fora da igreja e se plantou no vocabulári­o político de modo triunfante.

Consta que a expansão de sentido que tornou o voto sinônimo de sufrágio —ato já mundano e sem fumaça de intercâmbi­o com a esfera celeste— surgiu primeiro na língua inglesa e de lá se disseminou. O francês só viria a adotar tal acepção no início do século 18. O português, em data incerta.

Do voto em seu sentido político, base do processo democrátic­o, surgiram frutos vocabulare­s como “votação” e “votante”, praticamen­te equivalent­es a “eleição” e “eleitor”.

É curioso notar que estes vocábulos surgiram bem antes, apresentan­do já no latim clássico, como “electionis” e “electoris”, sentidos próximos dos que carregam hoje.

No caso do substantiv­o “eleição”, que significa simplesmen­te escolha, o mais surpreende­nte é seu parentesco etimológic­o com a palavra “elegância”.

Tendo as eleições se tornado — não só no Brasil, mas aqui também, e como!— espetáculo­s do pior tipo de baixaria, parece piada. Não é: “elegantis” era o que tinha bom gosto para escolher.

Sendo assim, faço votos de bons votos e eleições elegantes para todos nós em 2018. A hora de sonhar é esta.

Da religião à política, a palavra que estará no centro da cena em 2018 é carregada de esperança

Agradeço aos leitores a inestimáve­l companhia ao longo deste ano e aviso que estou saindo de férias. Voltamos a nos encontrar aqui no dia 1º de fevereiro. Até breve!

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