Folha de S.Paulo

Países tropicais buscam maneira de sobreviver­em às mudanças do clima

Ilhas Maurício, polo de biodiversi­dade, podem perder território com aumento do nível do mar

- FABÍOLA ORTIZ

Evento que aconteceu na Alemanha tentou mostrar que recuperar florestas pode ser uma estratégia viável FOLHA,

Para muitos países, adaptar-se às mudanças climáticas e recuperar ecossistem­as naturais degradados é uma questão de sobrevivên­cia. “Pensar no meio ambiente não é algo opcional —para nós, é existencia­l”, disse a presidente das Ilhas Maurício, Ameenah Gurib Fakim.

A preocupaçã­o não é de hoje, mas ganha força quando apresentad­a em um ano de extremos climáticos, como vem sendo 2017. O furacão Irma, que devastou o Caribe, os incêndios florestais que atingiram a costa oeste americana, Portugal e Indonésia, além de grandes enchentes na Índia e em Bangladesh são alguns exemplos dessa fúria da natureza.

O pequeno país insular no oceano Índico de 1,3 milhão de habitantes sofre com a iminente ameaça de ter boa parte do seu arquipélag­o tomado pelo avanço do mar.

O aumento do nível dos oceanos ocorre pelo derretimen­to das geleiras que afeta também o pH da água —impactando a vida marinha nos recifes de corais e toda uma economia baseada no turismo e na pesca.

“As mudanças climáticas afetaram o padrão de chuvas e de temperatur­a; temos testemunha­do picos de secas. Em 2013, em duas horas, choveu mais de 200 mm, o que causou graves enchentes. A mudança do clima é muito real para nós”, resumiu a presidente. BIODIVERSI­DADE Apesar de pequenas em território, as Ilhas Maurício são um dos cinco “hotspots” de biodiversi­dade no mundo. As regiões tropicais concentram 40% de toda a variedade de espécies e ocupam apenas 1,4% da superfície da Terra.

As mudanças climáticas impõem sérios riscos e podem arrasar essas áreas. “Precisamos chamar a atenção para evitar essa grande perda”, disse à Folha Ameenah Fakim.

Um mês após lideranças mundiais terem se encontrado em Bonn, na Alemanha, para discutir a implementa­ção do Acordo de Paris e frear o aumento da temperatur­a global na Conferênci­a da ONU sobre Mudança do Clima (COP23), a mesma cidade, ex-capital da Alemanha Ocidental, recebeu um fórum internacio­nal sobre paisagens.

O Global Landscapes Forum aconteceu entre 19 e 20 de dezembro e pôs em pauta a discussão sobre a conservaçã­o ambiental e a restauraçã­o de florestas numa abordagem mais holística de paisagens naturais.

“Um terço do que podemos fazer pelo clima pode ser alcançado se tivermos políticas para proteger a biodiversi­dade e cuidar das paisagens”, argumentou o diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio AmbienPara te (Pnuma), Erik Solheim

A situação das paisagens naturais tem se deteriorad­o rapidament­e, alertou a diretora do Banco Mundial para o Meio Ambiente e Recursos Naturais, Karin Kemper. Todos os anos, 24 bilhões de toneladas de solo fértil sofrem erosão e 12 milhões de hectares de terra são degradados.

“O cenário é sombrio, mas ainda há esperança de se fazer algo para mudar”, afirmou. O custo de refloresta­r e recuperar áreas degradadas, no que ficou conhecido como “Bonn Challenge” (Desafio de Bonn), em que países se compromete­ram a restaurar 350 milhões de hectares até 2030, seria de US$ 107 bilhões por ano.

“Precisamos trazer as evidências científica­s para que os governante­s saibam o custo da degradação ambiental e quais são as opções”, disse Kemper. Segundo as contas de sua equipe, para cada dólar investido em recuperaçã­o de paisagens naturais, é possível obter um retorno de sete a 30 dólares. “Isso prova que é um bom negócio”, diz.

Na América Latina, o cenário climático também pode ser devastador, especialme­nte nos países caribenhos e da América Central, que estão na rota de um “corredor seco” climático. No estudo do último painel intergover­namental de mudanças climáticas, essa região foram colocada entre as mais sensíveis.

“Somos um istmo banhados por dois oceanos, vivemos a temporada de furacões que ocorrem do lado do Atlântico e do Pacífico. As mudanças climáticas não apenas significam ciclones, mas também a inexistênc­ia de água potável”, disse à Folha a ministra de meio ambiente de El Salvador, Lina Dolores Alfaro.

Quase metade do país está no corredor seco, e são registrada­s perdas anuais de 4% do produto interno bruto em razão do clima e da degradação ambiental. “Tivemos cinco anos consecutiv­os de seca, entre 2012 e 2016.”

El Salvador e seus 6,3 milhões de habitantes, a restauraçã­o dos ecossistem­as seria praticamen­te uma obrigação. “Não temos outra alternativ­a. Estamos a ponto de chegar ao estresse hídrico —em cinco anos podemos ficar sem água”, disse Alfaro. OBRIGAÇÃO El Salvador se compromete­u a restaurar um milhão de hectares de suas paisagens naturais até 2020, isso significa recuperar metade do seu território.

Uma grande queixa de países pequenos, porém, é a dificuldad­e de conseguir apoio internacio­nal para esse tipo de empreendim­ento.

Os financiame­ntos, em geral, vão para aqueles com grande cobertura florestal, como o Brasil. “O nosso caso é o de adaptação às mudanças climáticas. Apesar de não termos contribuíd­o para as emissões de gases de efeito estufa, somos os que mais sofremos”, disse a ministra.

Enquanto as pequenas nações sofrem com a falta de recursos e brigam para se adaptar ao clima, os grandes poluidores ainda relutam em adotar políticas mais ambiciosas. Os Estados Unidos, por exemplo, compromete­ram-se a restaurar 15 milhões de hectares até 2020.

Contudo, esses esforços podem ser minados após as sucessivas ameaças de Donald Trump de retirar os EUA do Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 países. Recentemen­te o presidente americano excluiu as mudanças climáticas da sua lista de prioridade­s na Estratégia de Segurança Nacional.

“Ainda estamos pensando como melhor lidar com os acordos climáticos. Vamos continuar a trabalhar com o que podemos e que seja apropriado para as nossas necessidad­es a nível local. O presidente Trump quer ter certeza que tenhamos um acordo que seja melhor para os Estados Unidos”, disse à reportagem a chefe do serviço florestal americano, Leslie Weldon.

Junho

Ciclone Mora chega a Bangladesh e destrói 50 mil casas; onda de calor passa pela Europa —o verão seria um dos mais quentes já registrado­s

Agosto e Setembro

Irma, Franklin e Harvey foram nomes que assustaram a população da América Central, do México e do Sul dos EUA; os furacões causaram prejuízos bilionário­s

Novembro

Vulcão Monte Agung, na ilha de Bali, na Indonésia, entra em erupção após 54 anos de quietude. Há chance de uma erupção mais forte no futuro

Dezembro

Depois de enfrentar um ano úmido, a Califórnia sofre com grandes incêndios causados pelo tempo quente, cresciment­o anormal de folhagem e fortes ventos

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Hansueli Krapf/Wikimedia Commons Ilhas Maurício, que podem perder parte de seu território em virtude das mudanças climáticas
 ?? Fotos Pilar Valbuena/Global Landscapes Forum ?? Evento internacio­nal Global Landscapes Fórum, que aconteceu em Bonn, na Alemanha, discutiu alternativ­as para mitigar efeitos das mudanças climáticas
Fotos Pilar Valbuena/Global Landscapes Forum Evento internacio­nal Global Landscapes Fórum, que aconteceu em Bonn, na Alemanha, discutiu alternativ­as para mitigar efeitos das mudanças climáticas
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