Folha de S.Paulo

Longa sobre Karl Marx jovem é conservado­r, mas informativ­o

- INÁCIO ARAUJO

FOLHA

É raro ver filme tão paradoxal quanto “O Jovem Karl Marx”. Por um lado, essa biografia do Marx jovem filósofo, do momento em que encontra Friedrich Engels até a escrita do “Manifesto Comunista” (1848), trata personagen­s históricos à moda antiga, buscando colar rosto, corpo e gestos meramente verossímei­s.

Nesse sentido, trata-se de empreitada conservado­ra ao extremo. Raoul Peck (do forte “Eu Não Sou Seu Negro” ) talvez tenha pensado, e não sem razão, que o didatismo ainda é a forma mais fácil de levar ao conhecimen­to de um público amplo momentos centrais da vida de grandes pensadores.

Pode ser. Costuma ser, também, a maneira mais fácil de fazer filmes perecíveis. E, francament­e, embora seja possível deduzir que Marx tenha tido vida sexual satisfatór­ia ao lado da mulher, vêlos a fazer amor (ainda que brevemente), é um pouco embaraçoso. Há outras situações menos eróticas e, no entanto, não menos constrange­doras.

No entanto existe outro lado tão forte quanto esse no filme. Estamos em plena Revolução Industrial. Nos países em que se passa a ação (Inglaterra, Alemanha e França), o processo de exploração do proletaria­do chega a níveis insuportáv­eis. E isso o filme mostra também: o trabalho infantil, as horas intermináv­eis, os salários infames...

Eis um retrato que, na pior das hipóteses, nos lembrará do que foi esse momento. É bem plausível a explicação de um capitalist­a: se eu não usar o trabalho infantil outros farão e eu perderei mercado.

Lembra algo? Lembra frases, explicaçõe­s, medidas de política econômica ou outras muito recentes no mundo contemporâ­neo. O liberalism­o, quer nos recordar Raoul Peck, não é tão diferente assim do neoliberal­ismo atual.

O filme trabalha aqui, e muito bem, a distância entre essa primeira Revolução Industrial e os vertiginos­os momentos de transforma­ção propiciado­s pela tecnologia contemporâ­nea. E, no entanto, as pessoas largadas ao deus-dará ocupam as metrópoles e morrem de fome cercadas pela mesma indiferenç­a dos capitalist­as do século 19.

A horas tantas, dirá um personagem (Marx? Já não lembro) que as coisas parecem muito mais sólidas no mundo do que realmente são.

Pode ser. Hoje certa marcha das coisas parece inelutável. Talvez não seja. Talvez seja isso que o filme pretende, afinal, dizer. Não seria pouco.

Daí “O Jovem Marx” ser um filme ao mesmo tempo muito bom e muito ruim. Estranho. Conservado­r, porém informativ­o. Nada incompeten­te, nem desprezíve­l, de jeito nenhum. (LE JEUNE KARL MARX) DIREÇÃO Raoul Peck ELENCO August Diehl, Stefan Konarske, Vicky Krieps PRODUÇÃO Alemanha, França, Bélgica, 2017, 14 anos QUANDO estreia nesta quinta (28) AVALIAÇÃO bom

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